Quem pode parar Netanyahu?

A expansão do conflito da Faixa de Gaza para todo o Oriente Médio pode ter consequências graves para toda a humanidade
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Fogo e fumaça saem de prédio bombardeado por Israel em Gaza (Foto: REUTERS/Ashraf Amra, via CNN)

Por José Dirceu

O genocídio de Israel na Faixa de Gaza, que este mês completa um ano, já provocou a morte de mais de 38 mil palestinos, a maioria civis, e expulsou de suas casas a maioria das 2,3 milhões de pessoas que viviam no território. E não há solução à vista. Ao contrário, a guerra está se regionalizando. Netanyahu ameaça fazer do Líbano uma Gaza: Israel invadiu o país por terra, ampliou seus ataques ao Hezbollah e foi acusado pela Síria de atacar um depósito de armas no sul daquele país.

O Irã, por sua vez, lançou cerca de 200 mísseis contra alvos em Israel, incluindo três bases aéreas. Agora, espera-se o próximo movimento de Israel e de seu maior aliado, os Estados Unidos. Se vai partir para o confronto aberto e atacar a infraestrutura de petróleo e mesmo nuclear do Irã, o que pode provocar um conflito de dimensões imprevisíveis, ou se vai continuar com sua política de seguir anexando e subjugando territórios no Oriente Médio.

O lançamento de mísseis pelo Irã foi uma resposta à morte do líder político do Hamas, Ismail Haniyeh, ocorrida em Teerã, em julho, em um ataque atribuído a Israel, e aos assassinatos do líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah, e do comandante das operações das Forças Quds do IRGC, Brig-Gen Abbas Nilforoushan, em 27 de setembro em um ataque aéreo em Beirute.

Talvez mais do que uma resposta ao recrudescimento dos ataques de Israel — agora, o objetivo de Netanyahu é destruir o Hezbollah —, o lançamento dos mísseis a partir de uma sala de guerra, filmado e transmitido para todo o planeta, tenha sido um alerta a todos os países. Da região, o Irã é o único país que tem poder econômico e militar para enfrentar Israel. Integra o clube dos nove países que contam com tecnologia nuclear. Se decidir entrar no conflito que Israel está, aos poucos, estendendo para o Oriente Médio sob o olhar complacente do Ocidente, as coisas tendem a se complicar — e muito — até porque, inevitavelmente, seria colocar diretamente os Estados Unidos, como principal aliado de Israel, dentro do teatro de guerra.

Até agora, as iniciativas de negociação de paz no âmbito do Conselho de Segurança da ONU e da Corte Internacional de Justiça têm caído no vazio pelo simples fato de que Benjamin Netanyahu, primeiro-ministro de Israel, ignora qualquer determinação de organismos multilaterais não reconhecendo sua legitimidade.

Em julho, foi apresentada uma proposta, encabeçada pelo ex-primeiro-ministro de Israel Ehud Olmert e pelo ex-ministro de Relações Exteriores da Autoridade Palestina, Nasser Al Kidwa, de se aceitar a anexação de 4,4% do território da Cisjordânia por Israel — onde estão os principais assentamentos ilegais — em troca da incorporação de uma superfície equivalente ao território palestino. “Isso incluirá um corredor que unirá a Faixa de Gaza à Cisjordânia como parte do intercâmbio do 4,4% que se anexará ao novo Estado da Palestina”, diz a proposta.

Pelo documento, que defende o cessar-fogo imediato, a liberação dos reféns dos dois lados, a retirada das forças israelenses do território palestino e a formação de um “Conselho de Comissionados”, de tecnocratas, para governar Gaza, até as eleições, subordinado à Autoridade Palestina do Al Fatah. Ou seja, todo o desenho político da solução de paz exclui o Hamas e, portanto, tem grande chance de fracassar.

Isolamento
Se não existe nenhum organismo multilateral capaz de promover negociações de paz — a ONU perdeu a autoridade que um dia teve, a ponto de seu secretário-geral ser declarado persona non grata por Israel —, os países podem e devem pressionar Israel. No dia 12, em coletiva no Vaticano, ao lado do papa Francisco, o primeiro-ministro da Espanha, Pedro Sanchez, conclamou os países a interromperem imediatamente a exportação de armas para Israel, após seus ataques a soldados de paz da ONU no Líbano.

O Brasil já contribui para deter Israel em função da guerra no Oriente Médio. Por determinação do presidente Lula, foi suspenso um contrato de compra, que estava em andamento, de 36 viaturas blindadas de combate, conhecidas como obuseiros, da israelense Elbit Systems, uma das maiores fabricantes de armas e sistemas militares de Israel.

Há exemplos históricos para tanto. Basta lembrar o caso da África do Sul, na época do Apartheid. Na época, a ONU aprovou uma série de sanções contra o país. Houve consenso na comunidade internacional para o estabelecimento de sanções que, ao lado da luta do povo sul-africano, sob liderança de Nelson Mandela, foi fundamental para chegar ao fim do Apartheid e a posterior vitória no Congresso Nacional Sul-Africano.

Hoje o movimento de boicote a Israel ganha cada vez mais adesão, muito especialmente de entidades de direitos humanos espalhadas pelos cinco continentes. Um bom exemplo é o cargueiro MV Kathrin, que supostamente transporta explosivos (hexogeno) para Israel. O navio pertence a um armador alemão, mas navega com bandeira portuguesa e vem sendo sistematicamente impedido de atracar em portos do Adriático e Mediterrâneo pelo movimento de boicote a Israel liderado por ONGs de direitos humanos.

No âmbito dos países, já são 13 as nações que se juntaram à África do Sul na ação que corre no Tribunal Internacional de Justiça, na qual se pede que o conflito em Gaza seja rotulado como genocídio e se aprove sua suspensão imediata. Seria importante que os Brics liderassem uma campanha global de boicote a Israel, para deter o governo de Netanyahu, fortalecer a causa palestina e contribuir para a paz.

José Dirceu é ex-ministro-chefe da Casa Civil, ex-deputado federal e ex-deputado estadual pelo estado de São Paulo

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