O último suspiro do dinheiro verde

A lógica dos extremistas, tal como dos meus velhos oponentes, parecia estagnada num tempo em que ajuste fiscal era sinônimo de cortar direitos e taxar a esperança
WhatsApp
Facebook
Foto: Arquito/Diário de Foz

Por Nello Morlotti

Era dezembro, e o dólar subia como um pão francês recém-saído do forno: rápido, inflado, mas vazio por dentro. Entre notícias de câmbio e a velha cantilena de ajuste fiscal, me peguei lembrando de um debate memorável, daqueles que só o rádio brasileiro pode proporcionar.

Era eu, microfone à mão, em duelo verbal com duas figuras que, se fossem personagens de um romance, seriam descartados por parecerem caricatos demais.

Um deles, ex-deputado, famoso por seu “SIMMMMM” no impeachment da Dilma, defendia o teto de gastos com a fé de quem prega a chegada do Messias. Jurava que as “pontes para o futuro” erguidas pelo Temer eram obras de engenharia econômica impecáveis.

O outro, menos ideológico e mais visceral, estava armado até os dentes com argumentos tirados diretamente dos grupões de WhatsApp bolsonaristas. Ambos tentavam me convencer de que oferta e demanda não eram as únicas musas inspiradoras do emprego.

Mas aqui estamos, em 2024, e a conversa mudou — ou talvez não tanto assim. Ontem, enquanto assistia a um grupo de deputados ultradireitistas erguendo notinhas de dólar em comemoração à alta da moeda, pensei nos personagens daquele programa de rádio.

A lógica dos extremistas, tal como dos meus velhos oponentes, parecia estagnada num tempo em que ajuste fiscal era sinônimo de cortar direitos e taxar a esperança.

De um lado, um governo tentando mostrar que aliviar o Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil é justo, mesmo que os especuladores, hoje isentos, precisem dar sua contribuição. Do outro, o “mercado” fazendo careta, com o Banco Central assistindo passivamente, recusando-se até mesmo a um leilão de moeda para barrar a especulação. Tudo parece um jogo já conhecido: uma aposta na queda, ou na falência, que dessa vez soa mais como desespero do que estratégia.

E então, entre um suspiro amargo e outro, surge um lampejo de alento. O dólar subiu, sim. Mas vai cair — e cair muito. A verdade é que o Brasil não é mais refém da moeda verde. Temos ferro, carne, soja, e, o mais importante, compradores que não precisam mais pagar em dólares. A revolução da moeda já começou, silenciosa e inevitável.

Os jovens chineses do BRICS, ávidos e pragmáticos, não precisam de Washington para nada. A hegemonia cambial dos Estados Unidos dá seus últimos suspiros, pelo menos por aqui. Apostar no dinheirinho verde em terras brasileiras? Um erro tão grande quanto acreditar que desonerar folha de pagamento criaria empregos milagrosamente.

O que importa, no fim, é que a economia brasileira está redescobrindo seu poder, sua autonomia. E quem insistir em velhas fórmulas e símbolos ultrapassados vai ficar para trás. Enquanto isso, nós seguimos, com minério de ferro, carne, soja — e um pé no futuro.

Artigo publicado originalmente no Curitibando

Mais notícias

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *