Bom mesmo é poder ser ouvido pela pessoa certa

Em tempos em que a comunicação se pulverizou em inúmeras vozes, canais e plataformas, ser ouvido tornou-se, por si só, um grande desafio
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Foto: Autor/Imagem

Por João Zismann

Em um mundo repleto de ruídos, não basta falar alto. Importa ser ouvido, e mais ainda, ser ouvido pela pessoa certa. A diferença entre o desabafo que ecoa no vazio e a palavra que gera transformação reside menos na força da voz e mais na direção do olhar. Em casa, no trabalho, na vida pública, o que pedimos, para quem pedimos e como pedimos define não apenas a resposta que recebemos, mas também a qualidade dos caminhos que conseguimos abrir.

Em tempos em que a comunicação se pulverizou em inúmeras vozes, canais e plataformas, ser ouvido tornou-se, por si só, um grande desafio. Mais difícil ainda é ser ouvido pela pessoa certa, aquela que tem não apenas a capacidade de escutar, mas a competência e a responsabilidade de agir.

Na esfera social, é comum que angústias, demandas e sonhos se percam no eco de interlocutores errados. Falamos, mas falamos para quem não pode resolver. Reivindicamos, mas nossa voz se dilui entre aqueles que apenas ouvem por cortesia, sem qualquer compromisso de resposta. Nesse cenário, aprendemos que não basta querer ser ouvido, é preciso saber a quem nos dirigimos.

E, ainda mais importante, é saber o que pedir. Há uma sabedoria silenciosa em reconhecer a natureza do que se deseja, articulando expectativas de forma clara, objetiva e realista. Quem pede tudo, muitas vezes, não recebe nada. Quem não sabe expressar o que espera, corre o risco de ser confundido, ignorado ou mal interpretado. Entre a voz que clama e o ouvido que acolhe, a clareza do pedido é a ponte que pode, ou não, ser construída.

Quando pensamos nas relações interpessoais, essa lógica se repete de maneira quase implacável. Em amizades, famílias, ambientes de trabalho ou relacionamentos afetivos, o ruído muitas vezes nasce da escolha errada do interlocutor, ou da incapacidade de traduzir sentimentos e necessidades em palavras compreensíveis. Às vezes, esperamos compreensão de quem não pode nos oferecer mais do que um ouvido distraído. Em outras, depositamos expectativas em corações ocupados demais com seus próprios dilemas para nos atender.

Nesse contexto, é preciso distinguir o que é desabafo do que é pedido. Desabafar é humano, necessário, saudável. Trata-se de colocar para fora emoções represadas, angústias que sufocam, dores que precisam ser nomeadas. E, para o desabafo, às vezes basta o acolhimento, sem julgamento, sem a expectativa de solução. No entanto, quando se pretende algo além, mudar uma situação, encontrar uma saída, obter uma resposta, é preciso mais do que desabafar: é preciso estruturar a comunicação, escolher o canal certo e construir a mensagem de forma propositiva.

Leva-se tempo para compreender que, em qualquer relação, ser ouvido é também uma conquista da boa escolha e da boa comunicação. É preciso mais do que desabafar: é preciso construir pontes de escuta e entendimento, que exigem reciprocidade, paciência e, muitas vezes, uma dose de coragem para reconhecer que nem todos estão prontos para nos ouvir da forma que gostaríamos. A escuta verdadeira é um gesto de amor, respeito e atenção, não um dever automático.

Quando transpassamos esse raciocínio para o universo da administração pública, a lição ganha contornos ainda mais práticos e vitais. A boa gestão pública depende de canais de escuta qualificados, conselhos, ouvidorias, audiências, consultas, mas também de uma sociedade que compreenda como e o que reivindicar. Reclamar sem foco, sugerir sem viabilidade ou protestar sem proposta, muitas vezes, apenas congestiona o sistema sem produzir mudanças reais.

Para o gestor, ouvir a população é mais que um gesto democrático, é a essência do mandato. Mas para que a escuta seja efetiva, é necessário que as demandas cheguem pela via certa, com o conteúdo certo e na medida certa. O direito de ser ouvido é de todos. A capacidade de influenciar, no entanto, pertence àqueles que dominam a arte de direcionar seu clamor com propósito, respeito e responsabilidade.

Em última análise, poder ser ouvido pela pessoa certa é também um convite à responsabilidade cidadã e à maturidade emocional. É assumir o protagonismo da fala bem direcionada, da crítica construtiva, da sugestão embasada, seja nas relações pessoais, seja nas relações sociais ou institucionais. É entender que, em uma sociedade plural e complexa, ser ouvido não é só um direito, é também uma construção que exige preparo, consciência e estratégia.

A boa administração pública, como as boas relações humanas, floresce desse encontro, de uma gestão disposta a ouvir e de cidadãos que sabem, com clareza e justiça, o que desejam dizer.

* João Zisman é jornalista e secretário de Comunicação Social da Prefeigtura 

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