Brasil vive o fio da navalha na regulação digital

É preciso dizer sem rodeios, a internet ainda é, em muitos aspectos, uma terra de ninguém

Redes sociais
Foto: Arquivo Diário de Foz

Por João Zisman

Há tempos assistimos, perplexos ou resignados, ao embate entre a liberdade de expressão e os limites que uma sociedade democrática impõe a si mesma para preservar a convivência civilizada. Com a recente decisão do Supremo Tribunal Federal, que formou maioria para responsabilizar redes sociais pelo conteúdo de seus usuários, abre-se mais um capítulo desse enredo tenso, incômodo e profundamente atual.

É preciso dizer sem rodeios, a internet ainda é, em muitos aspectos, uma terra de ninguém. Mas transformar as plataformas em fiadoras da moral pública, sem critérios objetivos, é um risco que não pode ser subestimado. Estamos diante de um campo minado onde o excesso de liberdade pode virar pretexto para o caos, e o excesso de regulação, uma trilha para o autoritarismo digital.

O argumento central da decisão, o de que as plataformas têm poder editorial e, portanto, responsabilidade sobre o que nelas se publica, é compreensível. Afinal, algoritmos não são neutros, e o alcance das postagens depende, sim, de escolhas técnicas deliberadas. No entanto, extrapolar essa lógica para permitir que governos ou cortes passem a definir o que pode ou não circular, especialmente de maneira abstrata, nos aproxima perigosamente de uma sociedade onde a vigilância se disfarça de virtude.

Não se trata aqui de defender o vale-tudo. Há, obviamente, conteúdos que ferem o pacto democrático, como incitação à violência, racismo, pornografia infantil e golpes contra a saúde pública. O problema é quando o conceito de “desinformação” se torna elástico, moldando-se aos humores políticos do momento. O que hoje parece justo, amanhã pode ser usado para silenciar dissensos incômodos, sobretudo os que desagradam quem está no poder, qualquer poder.

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A regulação do espaço digital deve existir, sim, mas precisa ser construída com base em princípios universais, ampla participação da sociedade civil e garantias explícitas de que a liberdade de expressão não será suprimida sob o manto da boa intenção. Quem decide o que é verdade? Quem garante que a régua usada para o outro não será usada, mais adiante, contra si mesmo?

A democracia, e repito o que já escrevi em outros contextos, é barulhenta, imperfeita e, às vezes, irritante. Mas não há alternativa melhor. E isso inclui tolerar opiniões abjetas, desde que não transbordem para a violência. Não se defende a liberdade para o que se gosta, ela só existe de fato quando vale também para o que nos desagrada.

Entre o código das plataformas e o silêncio imposto por decisões judiciais, cabe ao cidadão vigiar com olhos abertos. Nenhum algoritmo pode substituir o senso crítico, nenhuma Corte deve substituir a consciência coletiva, e nenhuma democracia sobrevive sem o ruído necessário da divergência.

* João Zisman é jornalista e secretário de Comunicação Social da Prefeitura de Foz do Iguaçu.

@fozdiario


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