Cidades inteligentes não toleram os improvisos

O tempo da gambiarra acabou. Ou pelo menos, deveria

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João Zisman

Fala-se muito em cidades inteligentes, mas pouco se entende do que realmente as torna assim. Há um encantamento fácil com tecnologia, aplicativos, sensores, câmeras e promessas de automação que, por vezes, mascaram a ausência de planejamento estrutural. O que se vê com frequência são projetos apressados, discursos prontos e soluções de prateleira vendidas como modernidade. A verdadeira inteligência urbana, no entanto, exige menos espetáculo e mais coerência. Exige que nada, absolutamente nada, seja ao acaso.

Transformar uma cidade em inteligente pressupõe primeiro tratá-la com seriedade. Isso significa estudar sua dinâmica, entender suas deficiências, mapear suas vocações e estabelecer um projeto claro, com metas, prazos e responsabilidade institucional. Significa, ainda, dizer não ao improviso e à cultura do remendo. A cidade não é um experimento nem um laboratório de vaidades. É o lugar da vida real, onde o transporte precisa funcionar, a água precisa chegar, o lixo precisa ser recolhido e as pessoas precisam se reconhecer no espaço que habitam.

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Toda cidade carrega áreas adormecidas, espaços mal aproveitados, zonas que perderam o rumo ou foram ocupadas de forma desordenada ao longo dos anos. A inteligência está em perceber que esses vazios urbanos são, na verdade, potências em espera. Ressignificar uma área não é maquiá-la com paisagismo de edital. É reconectar o espaço com sua vocação, com seu entorno, com a vida que pulsa ao redor. Reurbanizar uma área degradada não é apenas pavimentar ou pintar meio-fio, mas reintegrar aquele território ao conjunto da cidade, oferecendo sentido, funcionalidade e dignidade. E isso não se faz sem planejamento, sem escuta, sem visão de longo prazo.

O crescimento para cima é inevitável em qualquer cidade que deseje ser compacta e eficiente. Mas adensar não é empilhar. Verticalizar exige critério, exige respeito à paisagem urbana, aos limites de infraestrutura, à mobilidade e ao bem-estar coletivo. Cada novo edifício precisa conversar com o tecido urbano, com as vias que o cercam, com os equipamentos públicos disponíveis. Ordenamento urbano não é papelório cartorial, é política estratégica. Obediência a padrões construtivos não é capricho, é responsabilidade. O arquiteto e o engenheiro não projetam sozinhos. Projetam dentro de uma lógica que deve ser conduzida pela cidade que se deseja construir. A cidade precisa saber para onde vai, e construir como se já estivesse lá.

Sustentabilidade urbana de verdade não aceita maquiagem verde. Não se trata de plantar árvores para a foto ou de pintar ciclovias em ruas esburacadas. Trata-se de uma escolha radical. Ou a cidade se adapta a uma lógica ambiental responsável, ou pagará caro. Cidades sustentáveis não disfarçam sua pegada ecológica, reconhecem os impactos que geram e assumem o compromisso de reduzi-los com ações concretas, integradas e permanentes. Isso passa pela energia que consomem, pela água que desperdiçam, pelo lixo que escondem, pela forma como tratam suas áreas verdes, sua drenagem, sua arborização, sua mobilidade ativa. Sustentabilidade é o oposto da estética cosmética. É política pública enraizada.

Mas não basta apenas pensar a cidade como espaço físico. É preciso também entendê-la como ecossistema econômico. Nenhuma cidade dá conta de ser tudo. E as que tentam, geralmente fracassam. O segredo está em reconhecer com humildade e estratégia as vocações reais, e apostar nelas. Uma cidade turística, por exemplo, não pode negligenciar sua recepção, sua hospitalidade, sua infraestrutura básica e sua imagem institucional. Uma cidade com potencial logístico precisa garantir conectividade, segurança, legislação clara e incentivos compatíveis. Vocacionar as atividades econômicas é evitar o erro de tentar atrair qualquer investimento a qualquer custo. É ter clareza sobre quem se é e o que se quer ser. Isso atrai negócios certos, empregos estáveis e desenvolvimento consistente.

Por fim, nenhuma cidade se torna inteligente apenas por vontade. É preciso gestão pública que esteja à altura do desafio, capaz de planejar, coordenar, cobrar e entregar. Capaz de resistir ao populismo fácil, ao clientelismo rasteiro e ao amadorismo travestido de participação. A cidade inteligente é aquela que integra os dados aos atos, a visão estratégica ao orçamento e a inovação à realidade cotidiana. E tudo isso exige liderança, técnica, coragem e consistência. Não basta anunciar um futuro promissor. É preciso construí-lo com método, disciplina e compromisso.

Se o futuro exige cidades inteligentes, é bom que paremos de tratá-las como improvisações disfarçadas de inovação. O tempo da gambiarra acabou. Ou pelo menos, deveria.


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