Luiz Claudio Romanelli
Ter uma casa para onde voltar após uma jornada de trabalho, pra descansar da luta, não é um sonho – é um direito. A moradia é condição que constitui parte do todo do que chamamos dignidade humana.
Ter um lar no Brasil é ainda um grave problema a ser superado, mesmo sendo o País signatário da Declaração dos Direitos Humanos da ONU e integrante do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1996. Este pacto reconhece, entre outros, o direito á moradia adequada e melhoria contínua das condições de vida. O Estado democrático, que zela pelos direitos consolidados na Constituição Federal, também prevê o direito à moradia, como direito social. Outro garantidor é o Estatuto da Cidades.
Mas por que então permanecemos com um déficit habitacional no país de aproximadamente 7 milhões de moradias?
O déficit habitacional é permeado de interesses de mercado, segundo o IBGE e a FGV, que estudaram os dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) que apontam fatores determinantes como o preço do aluguel, a coabitação e a precariedade das habitações existentes.
Portanto, a falta de moradia é um tema perene apesar de se tornar mais latente quando desabamentos e tragédias nos pegam desprevenidos nos noticiários país afora. Desprevenidos é força de expressão, considerando a precarização do acesso à habitação em nosso país.
Não há espanto nas milhões de pessoas que vivem em situações de extrema precariedade. Tais condições englobam, essencialmente, famílias que ganham até tres salários mínimos por mês.
O quanto muitas pessoas habitando o mesmo espaço impactam na sua qualidade de vida?
O quanto morar em áreas precárias sem o mínimo de saneamento impacta a produtividade do trabalhador? A qualidade da educação? De quem é a responsabilidade? E qual o impacto disso tudo na economia? Tais indagações permeiam a questão habitacional em qualquer região e na maior parte das cidades, especialmente nos grandes centros urbanos.
É um dever do Estado garantir esse direito e quando observamos o cenário atual é inquestionável a importância dos programas habitacionais. Já trabalhei nesta área, por duas vezes, e conseguimos implementar programas habitacionais que melhoraram moderadamente a vida de milhares de famílias paranaenses. Também sou autor, em nível estadual, da lei que criou o fundo estadual para construção de habitações de interesse social e atuei fortemente para a criação do Fundo de Combate a Pobreza, única fonte de recursos perene no estado para a produção de unidades habitacionais.
E mais uma vez, antes de qualquer consideração, é interessante lembrar que o subsídio para famílias de baixa renda na compra de imóveis não é fruto somente da criatividade brasileira – em diversos países a produção de habitação de interesse social tem um forte subsídios dos governos nacionais. No Brasil podemos citar como referência o programa Minha Casa Minha Vida – do governo federal.
Lançado em 2009, o programa trouxe na parceria de estados, municípios, companhias, empresas e organizações sem fins lucrativos, moradias para quase 4 milhões de famílias. A iniciativa gerou empregos, renda e arrecadação tributária.
Há quem mal julgue o programa pela taxa de inadimplência de uma parcela das famílias envolvidas mesmo com as condições especiais de financiamento e as baixas taxas de juros praticadas. Ainda assim é inegável o aquecimento econômico do período e a contribuição que tal aquecimento teve para evitar, ou diminuir o impacto, da crise internacional da última década.
Recentemente, a Cohapar apresentou o novo programa habitacional. O projeto tem como meta construir 60 mil unidades até 2022 e mantém a discussão da moradia em voga apontando a importância das parcerias público privadas como ponto primordial para o sucesso da iniciativa. As parcerias com a iniciativa privada ganham corpo quando o Estado não mostra condições de executar obras de infraestrutura e outros programas de envergadura.
O Paraná conta ainda com um inovador programa de habitação para idosos. Com público-alvo formado por idosos que ganham até tres salários mínimos, a iniciativa deverá levar em consideração não apenas a movimentação das famílias para áreas sem risco com moradias dignas mas também um acompanhamento e inclusão social.
Vale ressaltar que a habitação deve ser compreendida não somente como um espaço físico de moradia com um teto e quatro paredes, e sim todo o complexo de estrutura caracterizado como habitabilidade, na qual se promove condições que atuam diretamente no processo de desenvolvimento da cidadania.
E habitação adequada é aquela que busca atender às diversas necessidades dos cidadãos, como: acesso aos equipamentos públicos, bem estar físico, social, psicológico, e econômico das pessoas. ‘’Sou filho único, tenho minha casa pra olhar’’. Esse verso da música de Trem das Onze, de Adoniran Barbosa, traz uma possível interpretação: ter uma casa exerce uma função psicológica, social. Carrega consigo o significado de segurança, abrigo e pertencimento. É uma ferramenta de transformação social.
No mesmo caminho dos programas habitacionais, a demanda atual por moradia e a soma de infraestrutura que ela carrega, nos mostra uma oportunidade para o setor de construção civil e o mercado imobiliário para suprir parte das vagas dos 13 milhões de brasileiros desempregados.
Programas como os já citados movimentam em grande medida a indústria da construção civil, responsável atualmente por 6,2% do PIB do Brasil, além do que investimentos no setor continuam sendo substanciais para o enfrentamento de crises econômicas.
Forte empregadora, a construção civil conta com cerca de 13 milhões de brasileiros trabalhando na área, direta ou indiretamente. Após um período de retração, a expectativa é que 2019 encerre com um aumento de mais de 2% no Produto Interno Bruto (PIB) da construção civil e que este aumento continue em 2020.
A construção civil é o setor que mais sente a desaceleração da economia, pois depende de investimentos de todos os lados para se desenvolver, seja das famílias, do governo, de outras indústrias e de investimento externo. É considerada um dos setores mais importantes para a economia brasileira, porque ela gera muitos empregos e impulsiona a renda de uma classe significativa de famílias brasileiras, gerando impacto positivo em outros setores, como consumo e investimentos.
Alguns especialistas afirmam que para que o setor da construção civil reaja é necessária arrumar a questão fiscal do país e trazer poder de investimento, como a tributária para simplificar os impostos, e para isto defendem que agenda de reformas previdenciária e tributária seja aprovada. Volto a reforçar, as mudanças são necessárias, planejadas e aplicadas de forma, mas que não continuem penalizando o trabalhador, para que este não pague a conta sozinho. Uma reforma justa e equitativa tem beneficiar a todos.
Desafio a ser vencido é o alto endividamento das famílias brasileiras e a desigualdade social.
Fato é que um tema de tal importância, social e econômica, não cabe na discussão de bandeira partidária. Salvo os atores já mencionados, a colaboração em todo o processo da comunidade em geral e até mesmo registradores é de suma relevância.
Cabe aos agentes públicos observar que a urbanização das cidades não atinge os cidadãos que sobrevivem com renda mínima e continuaram a residir em áreas degradadas. A alternativa mais correta é implementar estratégias e instrumentos para efetivação da Política Nacional de Habitação e dos Programas de Habitação de Interesse Social. Somando a esses direitos, devemos atentar para que as reformas em andamento garantam moradia digna e geração de emprego para os brasileiros.
Luiz Claudio Romanelli, advogado e especialista em gestão urbana, é deputado estadual e vice-presidente do PSB do Paraná.