Nos meus tempos de ontem, a Conde da Boa Vista, no Recife, era uma festa só, por João Zisman

Recife, por algumas horas, parecia suspender a rotina para se deixar levar pelo compasso das bandas e pelo colorido das bandeiras

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Foto: João Zisman/Acervo Pessoal

Na minha infância, o Sete de Setembro tinha palco certo: a Avenida Conde da Boa Vista. Era ali que a cidade se enfeitava para a festa cívica. As calçadas, sempre cheias de gente apressada, vendedores de jornais e vitrines iluminadas, cediam espaço às famílias que vinham ver o desfile. Recife, por algumas horas, parecia suspender a rotina para se deixar levar pelo compasso das bandas e pelo colorido das bandeiras.

Eu, menino, vivia aquilo como espetáculo de encantamento. O Cinema São Luiz, imponente na esquina com a Rua da Aurora, parecia um castelo de outro mundo, guardando histórias que se misturavam à solenidade do desfile.

O Edifício Pirapama, com sua modernidade vertical, lembrava que a cidade crescia, mas naquela manhã tudo nele servia de mirante para quem quisesse ver a tropa marchar. E havia também a lembrança do cheiro vindo da Cantina Star, ponto de encontro tão recifense, onde o sabor parecia completar a música que ecoava da avenida.

Na juventude, comecei a perceber outras camadas. A mesma Conde da Boa Vista que se cobria de verde e amarelo no dia da pátria era também a avenida do trânsito pesado, dos ônibus superlotados, das pressas cotidianas.

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A marcha perfeita da tropa não combinava com o descompasso da vida real. O brilho do desfile era belo, mas efêmero.

Hoje, aos 57 anos, guardo essas lembranças como um filme que o tempo insiste em projetar. Vejo o menino fascinado, o jovem questionador e o adulto nostálgico, todos sentados juntos na calçada da Conde da Boa Vista. Entendo que os desfiles não eram apenas um ato cívico: eram também uma moldura da minha própria vida.

A pátria, descobri depois, não cabe inteira na solenidade de uma avenida. Mas cada vez que setembro chega, sinto que algo de mim ainda desfila. Porque na Conde da Boa Vista não marchava apenas o Brasil ensaiado das bandas e soldados. Desfilava também a minha infância — e ela continua a me ensinar que, apesar do tempo, sempre vale a pena acreditar no compasso da esperança.

(*) João Zisman é jornalista e secretário de Comunicação Social da Prefeitura de Foz do Iguaçu.


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