por Zé Beto Maciel
Embora curto e despretensioso, o livro ABC Futebol Clube – desde 1915 fazendo história (105 páginas, edição do autor de impresso na Epígrafe) reúne lampejos de Carlinhos Samways, um volante e dirigente do clube fundado um ano e pouco depois (12 de setembro de 1915) da própria emancipação política-administrativa de Foz do Iguaçu. A própria história do clube se confunde com a história da família Samways e por não dizer com a minha família: os Maciel, Lopez e Bonfim.
Meu paí José (Gilberto) e a minha mãe Tereza (Ursulina) casaram em 24 de dezembro de 1957 e já moravam no estádio do ABC com meu irmão Walmor com sete anos. Meu pai jogou na lateral esquerda do ABC e era chamado de “cavalinho do ABC” – um lateral duro na marcação, mas não desleal, mas muito veloz e atuava também na direita. Minha irmã Marlena nasceu no ABC e meu irmão Walmor teve sua infância e pré-adolescência vividas entre as ruas Marechal Deodoro, Quintino Bocaiúva, Santos Dumont e Jorge Samways.
Essa é uma parte da história da minha família com o ABC, mas tem mais. Volto ao livro do Carlinhos Samways e segundo o próprio são lembranças guardadas em 75 anos de clube. Carlinhos vai completar 90 anos agora em novembro e foi convencido pela mulher Yvany, filhas e filhos a pegar sua máquina de datilografia e escrever parte de suas memórias, reunindo recortes, fotografias e boas histórias.
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O livro traz fatos que eu mesmo nem sabia, além da ata de fundação, que o primeiro campo em dois lotes na rua Almirante Barroso (na altura do Capitão Bar), que de 1926 a 1976 ocupou o estádio onde meus pais, irmã e irmão moravam até 1959 e que vendeu esta sede – com algumas críticas – e comprou a área de 45 mil metros quadrados na Avenida República Argentina e margeada no lado direito pelo Rio Boicy.

Também soube que as cores do time eram preto e branco e que mudou para vermelho e branco em 1946 e que antes, em 1939, incorporou a Sociedade Teuto Brasileira. Da ata da fundação do clube até 1957 – um tesouro histórico de Foz do Iguaçu confiado a Carlinhos Samways em 1987 por um dos fundadores do ABC, Acácio Pedroso. A ata e a camisa 8 que usava quando jogava pelo clube na década de 50, Carlinhos às mantém guardadas a sete chaves.
E que Raul Quadros, músico, compositor, radialista, jogador e presidente do clube em 1966 foi autor do hino do ABC. “Vermelho e branco, são as nossas cores/ brilham no peito dos nossos jogadores,/ a justa fama que conquistamos,/ estão gravadas nas taças que ganhamos”.

Em meados de 2000, o hino teve mais uma estrofe de Gilmar Roberto Simões. Para quem não sabe, Raul Quadros inventou a palmeira do tri – um atrativo turístico – na Praça Almirante Tamandaré em homenagem ao tricampeonato brasileiro em 1970 no México,.
Eu tenho vários sonhos recorrentes. E um deles me traz o campo do ABC – ao lado da escola que estudei por dois anos, o Centro (Escola Municipal Jorge Schimmelpfeng) – cercado com um madeirame branco com árvores de fruta do Japão. Meu tio Eugênio morou lá. Minha irmã Marlena tinha uma criação de galinha índia, minha mãe cuidava do bar e lavava os uniformes depois dos jogos, dois casais de carneiros cuidavam da grama – um deles deu uma cabeçada na minha mãe e chorou quando soube que ia ser sacrificado para virar churrasco.

Tem mais: a festa de casamento dos meus pais foi no ABC. E na foto estão lá meu pai, minha mãe amamentando minha irmã, o Carlinhos Samways, os Grinet, o Kid Chocolate (que depois com meu pai e amigos fundaram o 84 Boxing Club, academia de boxe precursora do Flamengo). E foi no ABC, a festa de aniversário de dois anos da minha irmã Marlena.

Foi também no ABC que cruzei uma história do Carlinhos com a que a minha mãe contava. No livro, Carlinhos lembra do Funcho, um torcedor fanático do time, que nos dias dos jogos se embrenhava nas matas até garantir a vitória do ABC. Já meu irmão e minha irmã contam que minha mãe os mandava procurar nas traves do campo, também nos dias dos jogos, por sapos com a boca costurada. A ordem era jogar sal ou chutá-los para bem longe. O ‘trabalho’ era sempre creditado aos torcedores do Iguaçu.

Minha infância e adolescência, nas décadas de 70 e 80, foram momentos difíceis para o ABC. Os jogos eram mandados no estádio do Guairacá na esquina das ruas Almirante Barroso e Rebouças. Flamengo e Vasco da Gama eram os principais protagonistas da LIF (Liga Iguaçuense de Futebol). Com a inauguração do estádio Pedro Basso, o Flamengo passou a mandar seus jogos lá.

Eram os tempos do Breda, Mariano (os dois lembrados por Carlinhos Samways), os dois Bilo, Toninho, Maneco (que trocou o Flamengo pelo ABC), Miltinho, Chirú, Pintado, Arturo (jogou no Atlético-PR e Barcelona), Buti, Mozart (Vasco), Arturzinho (Vasco), Roberto Fava (Vasco), André (Flamengo), Marquardt (Vasco), Desidèrio (Flamengo), Crispim (Flamengo), Paulão (Flamengo) e tantos outros tantos que eu não lembro.
Fábio Campana na revista Ideias, Hamilton Mito Luiz Machado Nunes na revista Cabeza (um artigo de seis páginas) e Rafael Clabonde (pesquisou sobre o ABC) trazem registros dos times de Foz do Iguaçu. Campana e Mito mostram que depois do ABC, outros clubes de futebol foram criados em Foz, como o Guairacá, dos militares do Exército, o Iguaçu, mais tarde o Flamengo e desde que os portugueses chegaram para construir a Ponte da Amizade, o Vasco da Gama. Outros clubes existiram, como o Industrial, de funcionários da empresa Industrial Madeireira. Ou o Nacional, fundado por exilados paraguaios, Floresta Clube,Itaipu e Gresfi.

O livro de Carlinhos Samways foi escrito para ser distribuído para amigos e aficionados no ABC. Lê-se num tapa, em poucas horas, mas é um registro impressionante. Eu assisti os citados acima e a maioria era craque, acima da média, do futebol jogado no Brasil, Paraguai e Argentina – vale lembrar que as três seleções jogarão pela Copa do Mundo em 2026 – e que invariavelmente nos dias 14 de maio (Paraguai), 9 de julho (Argentina) e 7 de setembro (Brasil) disputavam o Torneio da Independência.

Nos dias dos pais, eu escrevi um poema para o meu pai e dois versos dizem o seguinte: Venha/parar o atacante do Iguaçu/que temia enfrentar o chicote/do cavalinho do ABC/ Venha/me ensinar a fazer tererê/bater certo na bola/mais da neve na tenra infância. O que escrevi tem tudo a ver com o ABC, meu time de coração.
Zé Beto Maciel, jornalista, poeta, de Foz do Iguaçu e torcedor do ABC
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