Por Eduardo Matysiak
Minha lente nunca foi um instrumento neutro. É uma ferramenta de ativismo, um grito visual que busca perfurar a indiferença. É com essa premissa que denuncio o mais recente e cruel capítulo do higienismo social promovido pela Prefeitura de Curitiba.
A urgência dessa crítica está incrustada em uma imagem que me persegue: a fotografia “Fique em Casa”, feita durante a pandemia, que me rendeu reconhecimento na categoria Lockdown do Brasília Photo Show — o maior festival de fotografia da América Latina, considerado o “Oscar da Fotografia”. Naquele registro, um morador de rua usava um guarda-chuva não contra a chuva, mas como sua única “casa”. Naquele momento, a hipocrisia era sanitária: o Estado exigia isolamento de quem não tinha teto.
Hoje, a hipocrisia se sofistica e se torna fiscal. A nova campanha municipal que implora para que o cidadão não estenda a mão ao morador de rua é a extensão lógica daquela falência. Não é política de assistência; é, em sua essência, uma política de remoção e invisibilização.
A Prefeitura gasta recursos públicos para financiar marketing que criminaliza o gesto de solidariedade individual. É inaceitável! O poder público tem a obrigação constitucional de erradicar a miséria, mas prefere gerenciar a paisagem, limpando o centro de seus “elementos indesejáveis”. A miséria não é um problema de estética urbana; é um atestado de falência institucional.
O problema central não é o pires na mão, mas a ausência da mão do Estado. A miséria é, antes de tudo, uma crise de alocação de prioridades.

Chegou a hora de sermos implacáveis com o sistema que gera essa crise. Onde está o dinheiro para a habitação social, para as clínicas de saúde mental e para a reinserção profissional? Não precisamos de campanhas que nos proíbam de doar uma moeda; precisamos de coragem política para parar de financiar a desigualdade.
É urgente cortar o fluxo de recursos que sustentam esse modelo perverso: basta de isenções fiscais bilionárias a grandes empresários e corporações que não geram retorno social compatível. Basta de “doações” e financiamentos obscuros para políticos que perpetuam a concentração de renda. É desses cofres que deve sair o dinheiro para políticas de Moradia Primeiro (Housing First).
A solidariedade, por mais imperfeita que seja, é o último bastião humano contra a barbárie estatal. Ao atacá-la, a Prefeitura tenta silenciar o termômetro que mede sua própria ineficácia.
A miséria que se arrasta em Curitiba é o preço que a cidade paga pelo seu falso “progresso”. Como sentenciou Victor Hugo:
“O progresso roda constantemente sobre duas engrenagens. Faz andar uma coisa esmagando sempre alguém.”
A população de rua é o que foi esmagado pela engrenagem da nossa “cidade modelo”.
O guarda-chuva continua sendo o símbolo da única casa que muitos conhecem. E, enquanto o foco político for o lucro do grande capital em detrimento da dignidade humana, a hipocrisia da gestão municipal continuará a ser a maior ofensa moral e fiscal à nossa capital.
O Estado falha — e falha catastroficamente — quando sua principal estratégia é pedir que o cidadão desvie o olhar, enquanto desvia os recursos que poderiam salvar vidas.
Sobre o autor
Eduardo Matysiak é fotojornalista premiado na categoria Lockdown do Brasília Photo Show, o maior festival de fotografia da América Latina e considerado o “Oscar da Fotografia”. Suas obras foram publicadas em jornais do Brasil e do mundo. Sua atuação combina o ativismo social com a expertise em consultoria parlamentar, utilizando a fotografia como ferramenta incisiva de crítica e documentação.
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