Caça e doenças: precisamos falar sobre isso. Veja fotos de animais abatidos no Parque Nacional do Iguaçu

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Jéssica Dias e Yara Barros

Há indícios de que a caça na região está aumentando durante essa pandemia, e sabemos que na região do Parque Nacional do Iguaçu a caça não é de subsistência, é “tradição”.

Sim, tradição é uma palavra bacaninha que pode ser utilizada para legitimar uma série de práticas questionáveis, né não? Joga um “manto de legalidade” sobre muitos crimes.

Muitos caçadores da região não têm problema financeiro algum, apenas usam a caça como esporte, e acham legal servir uma paca para os amigos, ou passar um fim de semana se divertindo caçando no Parque Nacional.

Em 2019, a equipe de Proteção do Parque Nacional do Iguaçu, em conjunto com a Polícia Ambiental encontrou, dentro do parque, 24 estruturas de caça, sendo 4 acampamentos, e 2 pessoas foram presas. Em 2020 esse número aumentou: de janeiro a junho já foram encontradas 85 estruturas de caça, sendo 11 acampamentos, e 9 pessoas foram presas.

Problema em todo o Brasil, na nossa região a caça é um grande desafio para a conservação da fauna e proteção do Parque Nacional do Iguaçu. Lembrando que essa prática é crime ambiental.

O consumo de carne de caça pode ainda trazer diversos riscos às pessoas, tanto quem caça quanto quem manipula e/ou consome os itens caçados.
Os tatus são animais caçados com frequência, e questões de saúde humana devem ser consideradas, já que esses animais podem servir como reservatórios diversos microrganismos como micobactérias, tripanossoma, toxoplasma, sarcocystis, leptospirose, esporotrix e paracoccidioides.

Dentre as micobactérias presentes, destaca-se a Mycobacterium leprae (ou Bacilo de Hansen), patógeno causador da hanseníase, anteriormente chamada de lepra. É uma doença crônica infecto-contagiosa, de evolução lenta, que pode ficar incubada no organismo por 2-7 anos. Causa lesões na pele e acometimento de nervos periféricos, principalmente nos olhos, mãos e pés, e a evolução da doença depende do grau de imunidade da pessoa infectada. Atualmente, o tratamento requer quimioterapia.

A transmissão entre pessoas é conhecida e se dá através das vias respiratórias, mas também por fontes ambientais como água contaminada ou contato com tatus infectados. O ser humano pode se contaminar através da carne de caça em diversas etapas do processo – transporte, preparo ou principalmente manuseio dos itens, pelo contato de fluidos com portas de entrada, como feridas abertas, arranhões ou até picadas de insetos, principalmente nas mãos e antebraços ou no tronco, além de acidentes por itens cortantes ou mesmo algumas formas de preparos específicas da carne.

Isso tudo sem contar a ausência de inspeção sanitária, as condições de armazenamento, transporte e manuseio que por si já representam riscos à saúde.

O Brasil possui a maior incidência de hanseníase no mundo, e o estado do Paraná tem os maiores índices da região, superiores à meta estipulada pelo Ministério da Saúde e alta porcentagem de casos graves da doença. Especificamente a região de Foz do Iguaçu tem alta prevalência da doença, bem como intensa circulação da bactéria.

O contato do ser humano com a vida silvestre é crescente (por invasão de habitat, transporte de animais ou procura por produtos) fazendo com que os riscos de doenças aumentem. O surgimento de novas doenças infecciosas, particularmente zoonoses, está aumentando e o consumo de carne selvagem pode representar risco para a saúde humana e animal. E isso se torna problema de saúde pública.

O diagnóstico incompleto, o despreparo de profissionais da área da saúde nas ações assistenciais e poucas ações educativas para prevenção aparecem como fatores que contribuem para o crescimento da endemia. Considerando as taxas de detecção, indicadores de endemismo, recidivas e proporção de novos casos, a cidade de Foz do Iguaçu e região devem ser alvo de ações de controle e combate à hanseníase.

Então, pensando em questões como caça e zoonoses, é necessário promover equilíbrio da saúde das pessoas e do meio ambiente. E onde a caça é de subsistência, buscar fontes alternativas de renda para as comunidades que dependem dessa prática, buscando tanto equilíbrio ambiental quanto justiça social.

E por que o Projeto Onças do Iguaçu se envolve ativamente na tentativa de mudar o comportamento e a visão das pessoas da região sobre a caça?
Porque cuidar das onças também é cuidar da floresta e cuidar das pessoas.

Jéssica Dias é Médica Veterinária e Yara Barros Coordenadora Executiva do Projeto Onças do Iguaçu

Crédito das fotografias: Parque Nacional do Iguaçu

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