AI 5, 50 anos depois

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Fábio Campana

Jair Bolsonaro gosta de repetir que pretende fazer o Brasil semelhante ao de 50 anos atrás. Ou seja, o do final de 1968. Em 13 de dezembro, há 50 anos, o país vivia um momento histórico decisivo. A ditadura militar que se instalara em 1964 deu novo golpe, editando o Ato Institucional número 5 e acabando de vez com a vigência de qualquer legislação que pudesse proteger brasileiros e brasileiras da violência, do arbítrio, da ignomínia em série cometida pela ditadura.

Entramos em 1969 sob uma ditadura militar, que os fanáticos da direita burra negam com a mesma convicção dos que contestam o Holocausto, o aquecimento global, a esfericidade da Terra, a morte de Elvis Presley e a inexistência de Papai Noel.

Mais estranho ainda é perceber que muita gente sente nostalgia por um tempo que não viveu. Conheço algumas pessoas que considero acima da linha da bestialidade, que lamentam não terem vivido nos anos de chumbo. Não é o caso de Bolsonaro, que já era vivo em 1969. Mas tinha apenas 14 anos quando tudo aquilo aconteceu, sem ele se dar conta. Enfrentávamos o tacão do AI-5 e testemunháramos a invasão do Teatro Ruth Escobar pelo Comando de Caça aos Comunistas, que depredou o cenário e espancou o elenco do musical Roda Viva, de Chico Buarque.

Ora, pois, vejam como eram as coisas. Em vez de punir os celerados do CCC, a ditadura proibiu o espetáculo, “degradante e subversivo”, na tacanha avaliação do censor Mário F. Russomano. Outra deplorável lembrança: há 50 anos o Teatro Opinião, no Rio, sofreu um atentado à bomba, executado pelos mesmos boçais do CCC.

Pois bem a partir daí tudo piorou. Depois de uma Junta Militar nos enfiaram goela abaixo outro general – o pior de todos: Emílio Garrastazu Médici. Horror. Vi de perto a violência. Senti na carne a tortura, a prisão, a censura, o medo permanente de uma prisão ou de um sumiço. Por tudo isso, a hipótese de voltar 50 anos no tempo é muito sinistra. Podre. Execrável.

Daquele tempo tenho saudades da juventude, da resistência, das utopias, da camaradagem, dos amores, da arte e da sensação messiânica de que estava no mundo para ajudar a salvá-lo. E sou tomado pelo pânico quando alguém diz que gostaria de voltar ao regime fardado. Eu que acreditava que a esta altura já não existiriam brutos dessa catadura, percebo com amargura que ainda estamos na pré-história da espécie e que os liberticidas são absolutamente majoritários neste Brasil brasileiro. E que a besta pode ressurgir a qualquer momento diante de nós.

Fábio Campana é jornalista e escritor radicado em Curitiba

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