O deputado federal Carlos Zarattini (PT-SP), relator do PL 10.887 que altera a atual lei de improbidade administrativa, concluiu o texto da proposta que deve ser votada em breve pela Câmara dos Deputados.
A matéria representa um grande retrocesso nas ações anticorrupção, alerta o advogado Gilmar Cardoso, amparado em entendimento do Ministério Público Federal (MPF).
O jurista explica que a improbidade administrativa é definida como uma conduta inadequada, praticada por agentes públicos ou outros envolvidos, que cause danos à administração pública.
Previstas na Lei n. 8.429/1992, conhecida como Lei de Improbidade Administrativa (LIA), as ações de improbidade podem se manifestar em três formas de atuação: Enriquecimento Ilícito, Atos que causem prejuízo ao erário OU Atos que violem os princípios da administração pública, descreve o advogado.
A proposta é vista no Congresso como uma nova forma de restringir ainda mais os poderes de procuradores, um ano após a aprovação da Lei de Abuso de Autoridade – que já era vista como uma tentativa de frear o avanço da Lava Jato. Para que a matéria tenha prioridade, por meio de requerimento de urgência, é necessário o apoio de 171 deputados.
Segundo Gilmar Cardoso, o texto substitutivo apresentado por Zarattini afrouxa a Lei de Improbidade e exclui a possibilidade de punição a uma série de condutas hoje vedadas. Práticas como nepotismo e “furada de fila” em serviços públicos, por exemplo, não resultariam mais em sanção por improbidade.
O advogado, que já atuou como procurador jurídico das entidades de representação nacional (UVB) e estadual (Uvepar) dos Vereadores, explicou que o PL 10.887, de 2018, apresentado pelo deputado Roberto de Lucena (Pode-SP), é resultado do trabalho de uma comissão de juristas criada pelo então presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e coordenada pelo ministro Mauro Campbell, do Superior Tribunal de Justiça.
Gilmar Cardoso destaca que na data de 17 de outubro de 2018, foi enviado à Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 10.887/18, elaborado por juristas sob a coordenação do ministro do Superior Tribunal de Justiça Maurício Campbell, que trazia uma proposta de diversas alterações na Lei nº 8.429/92 (lei que trata dos atos de improbidade administrativa) no intuito de atualizá-la, incorporando diversas posições jurisprudenciais consolidadas no Superior Tribunal de Justiça acerca do tema.
Para composição do projeto foram promovidas 14 audiências públicas e três seminários em São Paulo, Porto Alegre e em Recife, nos quais foram ouvidas mais de 60 autoridades no assunto.
No entanto, adverte Gilmar Cardoso, no segundo semestre do ano de 2020 foi proposta na Câmara dos Deputados um projeto substitutivo ao projeto de lei mencionado, o qual gerou críticas de alguns setores, a exemplo do Ministério Público, uma vez que deixa de tipificar como ato de improbidade administrativa os atos que não impliquem em enriquecimento ilícito ou prejuízo ao erário, nos termos dos artigos 9º e 10 da Lei nº 8.429/92.
O advogado alerta que uma das preocupações do projeto é criar mecanismos de contenção de abusos, incluindo a análise dos casos por órgãos de controle interno antes de serem levados à Justiça.
Uma das principais alterações proposta é no artigo 11 da lei de improbidade. O trecho que classifica como ato de improbidade “qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições”. A nova redação proposta rejeita que uma conduta seja caracterizada como improbidade nos seguintes termos: Art. 11.
Ações ou omissões ofensivas a princípios da Administração Pública que, todavia, não impliquem enriquecimento ilícito ou prejuízo ao erário, nos termos dos arts. 9º e 10 desta Lei, não configuram improbidade administrativa, sem prejuízo da propositura de outras ações cabíveis, consoante o caso, como as leis 4.717, de 29 de junho de 1965, e 7.347. de 24 de julho de 1985.
O PL também pede a limitação da duração dos inquéritos a 180 dias, prorrogáveis pelo mesmo período mediante a justificativa. Depois desse prazo o MP terá 30 dias para apresentar denúncia, se for o caso.
O texto apresentado por Zarattini estabelece ainda que as penas previstas na Lei de Improbidade só poderão ser executadas após o trânsito em julgado da sentença condenatória – ou seja, após esgotado todos os recursos em todas as instância judiciais.
Punições mais brandas
O advogado Gilmar Cardoso expôs que o relatório de Zarattini também prevê punições mais brandas para casos de improbidade administrativa. A suspensão dos direitos políticos de condenados por ato de improbidade, que era de oito a dez anos, passa a ser quatro a doze anos. O pagamento de multa civil, que era de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial do condenado, passa a ser equivalente ao valor desse acréscimo, afirma.
Uma das modificações propostas no texto substitutivo está na supressão da modalidade de improbidade administrativa de violação de princípios da Administração Pública. Segundo analistas do MP trata-se de “um dos maiores retrocessos no combate à corrupção e na defesa da moralidade administrativa”. Com essa medida, pretende-se que somente improbidades administrativas de enriquecimento ilícito e lesão ao erário sejam merecedoras de punição, relegando à impunidade diversas condutas graves.
Na exposição, Gilmar Cardoso lista uma série de atos que deixariam de ser improbidade, como, por exemplo, agente público frustrar a licitude de concurso por meio de favorecimento de candidato na correção da prova; agente penitenciário estuprar uma detenta sob sua custódia; e agente usar documento falso para punir indevidamente servidor em processo disciplinar.
“Em todas essas condutas, cuja gravidade fala por si, praticadas em razão da função pública, não houve enriquecimento ilícito ou lesão ao erário. Se aprovado o texto do substitutivo, deixarão de ser improbidade administrativa”, aponta o advogado.
Projeto de lei visa alterar lei de improbidade administrativa
O Projeto de Lei (PL) nº 10.887/2018 tramita em Comissão Especial da Câmara dos Deputados. O PL visa a alterar a Lei de Improbidade Administrativa e recebeu parecer do relator da Comissão Especial da Câmara dos Deputados.
Conforme exposição do advogado Gilmar Cardoso, membro efetivo do Centro de Letras do Paraná e da Academia Mourãoense de Letras, algumas das principais modificações sugeridas são:
• Ações ou omissões ofensivas aos princípios da Administração Pública não serem consideradas ato de improbidade;
• Ações ou omissões decorrentes de divergências interpretativas da lei, doutrinárias ou jurisprudenciais, ainda que minoritárias não serem consideradas ato de improbidade;
• Criar ato de improbidade de menor ofensa a bens jurídicos, punível por multa, sem prejuízo do ressarcimento do dano, quando couber;
• Condicionar pedidos de indisponibilidade de bens à demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, e verificação da probabilidade de ocorrência dos atos descritos na inicial, após o réu ser ouvido;
• Ser possível rejeitar ação, na fase de defesa preliminar, se houver dúvida fundada sobre a responsabilidade do agente;
• Regulamentar o Acordo de Não Persecução Cível (ANPC), mediante pressupostos de: i) anuência e participação da respectiva advocacia pública; ii) aprovação do Ministério Público; e iii) homologação judicial; e requisitos: i) ressarcimento integral do dano; ii) reversão da vantagem indevida à pessoa jurídica lesada; ou iii) pagamento de multa;
• Reproduzir efeitos de sentenças cíveis e penais na ação de improbidade se decidirem por inexistência da conduta ou negativa de autoria;
• Prescrição para propositura da ação de improbidade em 5 anos, a partir da ciência do fato;
• Suspender prazo prescricional por até 180 dias corridos, se instaurado inquérito civil.