Não basta baratear o emprego

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O governo deveria cuidar da criação de empregos em vez de carregar a bandeira de uma nova e ainda muito mal explicada reforma trabalhista

Editorial, Estadão

O governo deveria cuidar da criação de empregos, por meio de estímulos ao crescimento econômico, em vez de carregar a bandeira de uma nova e ainda muito mal explicada reforma trabalhista. Lançada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, a ideia de cortar direitos, ou de torná-los mais flexíveis, já atrai apoio da área empresarial, como comprova a proposta de um novo regime de aprendizado, apresentada pela Confederação Nacional do Comércio (CNC) e divulgada no Estado de domingo.

A reforma aprovada no governo do presidente Michel Temer mal entrou em vigor. Produziu alguns efeitos positivos, como acordos extrajudiciais e redução de disputas na Justiça, mas é preciso deixar amadurecer o novo sistema. Enquanto isso, é prudente conter o entusiasmo reformista e ir devagar com o andor.

Não basta reduzir direitos e diminuir encargos para gerar contratações. Encargos foram diminuídos por vários anos, desde o período petista, sem benefício visível para quem precisa de emprego. A desoneração trabalhista de várias dezenas de segmentos empresariais foi inútil para a criação e até para a manutenção de postos de trabalho, quando o sistema produtivo deslizou para a mais funda recessão desde a crise iniciada em 1929.

O País saiu do buraco em 2017, mas a recuperação da atividade, muito lenta, foi insuficiente, em dois anos, para baixar a desocupação a níveis muito mais suportáveis.

O Brasil chegou ao fim de 2018, segundo ano da reativação, com 12,2 milhões de desempregados. A desocupação no quarto trimestre foi de 11,6% da população economicamente ativa. Teria havido mais contratações, se os direitos trabalhistas fossem menores? É difícil admitir uma resposta positiva. Qual seria o valor prático para as empresas, num ambiente de tantas incertezas?

O governo sobreviveu às ameaças de processo, em 2017, mas no ano seguinte o País enfrentou a insegurança das eleições, a crise dos transportes e o penoso suspense em relação à orientação da política econômica a partir de 2019. Haveria, nesse quadro, pouco estímulo para formar estoques, para investir em máquinas e, naturalmente, para contratar. Ninguém contrata funcionários só por serem baratos. O custo pode afetar as decisões, mas só se decide ampliar o quadro de pessoal quando há perspectiva de produzir e vender.

Empresários têm mostrado otimismo quanto à aceleração dos negócios nos próximos meses, mas esperam sinais mais claros antes de assumir compromissos. Para fortalecer a confiança de empresários, consumidores e investidores, o governo precisa, em primeiro lugar, de uma vitória na reforma da Previdência.

Quanto mais breve a tramitação do projeto no Congresso, tanto melhor. Mas tem de ser um projeto substancioso, com potencial para produzir um ganho significativo nos próximos dez anos. Os investidores estrangeiros, como têm repetido fontes do mercado financeiro, estão bem mais cautelosos que os nacionais e só se movimentarão diante de resultados claros e promissores.

Com mais confiança, os negócios poderão intensificar-se e haverá condições para mais investimentos e contratações. Haverá oportunidade, portanto, para uma avaliação mais segura da reforma trabalhista já em vigor. Antes disso será melhor esquecer novas mudanças, a começar pela obscura ideia da carteira verde-amarela do ministro da Economia.

Até lá, a Confederação Nacional do Comércio terá tempo para repensar sua proposta de um regime de aprendizado estendido até os 22 anos com salário inferior a um mínimo. Quem explicou o projeto ao Estado foi o vice-presidente da entidade, Valdeci Cavalcante.

Ao declarar seu apoio à ideia, o presidente da Confederação Nacional de Serviços, Luigi Nese, foi mais direto: o importante é a redução do custo do trabalho. Talvez tenha, sem querer, traduzido bem a proposta. O objetivo será mesmo ampliar oportunidades por meio da aprendizagem?

Há bons argumentos a favor de normas trabalhistas mais flexíveis, um efeito positivo da reforma já em vigor. Muito mais complicado é sustentar uma guerra contra os direitos.

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