O voto impresso, distritão e a cota para mulheres são os principais temas na pauta da comissão especial criada pelo Congresso Nacional para concluir, até outubro deste ano, as mudanças que passam valer a partir do próximo pleito em outubro do ano que vem. O grupo de trabalho corre contra o tempo, alerta o advogado e consultor legislativo Gilmar Cardoso.
As mudanças propostas pelo colegiado precisam ser aprovadas pelo Congresso e sancionadas pelo presidente da República até outubro para que possam valer nas eleições de 2022. Caso contrário, as novas regras terão de ser adiadas, já que a Constituição proíbe mudanças feitas com menos de um ano de antecedência do pleito eleitoral, explica Gilmar Cardoso.
Os trabalhos na Comissão Especial terão prazo de 40 sessões, sendo que as emendas devem ser apresentadas nas 10 primeiras e a deputada Renata Abreu terá 20 sessões para apresentar seu parecer.
Dentre vários pontos, a comissão, que terá em sua presidência o deputado Luís Tibé (Avante-MG) e na relatoria Renata Abreu (Podemos-SP), vai analisar a adoção do modelo conhecido como “distritão”, que pode favorecer a pulverização partidária. Existe a proposta do modo puro do modelo, onde os deputados mais votados em cada Estado são eleitos, independentemente do desempenho dos partidos nas urnas; ou misto, em que metade das cadeiras no Legislativo é disputada nos distritos e a outra parte é determinada pelo voto em legenda.
O distritão já pautado duas vezes em plenário e em ambas foi derrotado, recorda Gilmar Cardoso. O distritão traz o voto único, majoritário e intransferível, em que os candidatos mais votados são os eleitos, define.
Gilmar Cardoso frisa que a mudança no sistema eleitoral, a cota mínima para candidaturas femininas, o uso de comprovante impresso do voto e a unificação das eleições são os principais temas que estão de volta aos debates na Comissão da Reforma Política da Câmara dos Deputados. E, menos de quatro anos após a última reforma política (aprovada em outubro de 2017), os temas polêmicos ganham novamente a atenção do Parlamento, avalia o advogado.
A pressa é porque o Congresso tem até o início de outubro para aprovar as mudanças para que elas sejam válidas já na eleição de 2022. De acordo com a legislação, alterações nas regras eleitorais só podem ser feitas até um ano antes do pleito; caso contrário, elas só valerão na eleição de 2024, explica Gilmar Cardoso.
Além da votação sobre o sistema eleitoral, o colegiado deverá debater também o congelamento da cláusula de desempenho. Também é ventilada a volta das coligações, vedadas para eleições proporcionais em 2017, que estabeleceu a cláusula de desempenho. A bancada feminina defende que seja aprovada cota mínima de 30% de cadeiras reservadas para mulheres no Congresso.
Prazos e movimentações
Para que o colegiado fosse criado e para acelerar a tramitação, foi preciso escolher uma proposta de emenda constitucional (PEC) que já tivesse sua admissibilidade aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).
A CCJ é responsável por dizer se os projetos afrontam ou não a Constituição Federal. A escolhida foi a PEC 125/2011, do deputado Carlos Sampaio (PSDB-SP), aprovada pela CCJ em 2015, que trata da proibição de realização de eleições em data próxima a feriado nacional. A ideia é apresentar um projeto substitutivo para ser levado ao plenário.
COMPROVANTE
A mudança mais controversa que deve ser discutida na comissão trata da implementação do voto impresso nas eleições. Uma das ideias discutidas é criar um comprovante de papel, que ficaria com os tribunais regionais para que fossem feitas auditorias após os pleitos.
Cota para mulheres pode sofrer mudanças
A reserva de cotas para candidaturas femininas está em vigor no Brasil desde a década de 90 – em 1995 foi aprovada uma lei que previa 20% de candidatas, índice que passou para 30% em 1998 –, mas a baixa representação das mulheres no Parlamento persiste: elas são apenas 15% na Câmara.
SISTEMA ELEITORAL
Hoje, o país adota o sistema proporcional, em que as cadeiras de deputados federais são distribuídas proporcionalmente aos votos recebidos pelos candidatos e pelas legendas. Um dos modelos defendidos é o chamado “distritão”, em que são eleitos os mais votados (majoritários). Uma terceira opção seria o distrital misto, em que são combinados os cálculos proporcionais com os majoritários.
UNIFICAÇÃO DAS ELEIÇÕES
Uma das propostas que serão discutidas é a unificação de todas as eleições. Dessa forma, de quatro em quatro anos, o eleitor iria às urnas apenas uma vez, para escolher vereadores, prefeito, deputados estaduais, governador, deputados federais, senadores e presidente. A medida é criticada pelo presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Luis Roberto Barroso, que alertou no ano passado para um ‘inferno gerencial’ que a unificação causaria ao tribunal.
VOTO IMPRESSO
A implantação de um comprovante de papel após o voto na urna eletrônica para auditoria do processo é motivo de polêmica e divide os parlamentares. Bandeira defendida pelo presidente Jair Bolsonaro, a medida já foi atacada por ministros do Supremo Tribunal Federal. A relatora da comissão da reforma, deputada Renata Abreu (Podemos-SP), defende que o tema deve ser decidido por um plebiscito.
CLÁUSULA DE BARREIRA
Dispositivo que restringe os partidos que não alcançam um percentual mínimo de votos, a cláusula já foi aprovada no Brasil, mas se tornou alvo de disputas judiciais. Ela começou a valer em 2017, após o Congresso aprovar uma reforma política, e já entrou em vigor com a eleição de 2018. A ideia da medida é reduzir o grande número de partido políticos com baixa representatividade no país – hoje, são 33 siglas registradas no TSE.
COTA PARA MULHERES
De acordo com a legislação eleitoral, todos os partidos devem ter, no mínimo 30% de candidatas mulheres para cada cargo em disputa. Os deputados e as lideranças partidárias, no entanto, avaliam que a regra nem sempre consegue ser cumprida, segundo eles, por “falta de interesse das mulheres” de se candidatarem. São recorrentes casos de “candidatas-laranjas”, que são incluídas nas disputas, mas não fazem campanha e não recebem nenhum voto. Os partidos registram a candidatura apenas para cumprir a cota. Na eleição passada, uma regra obrigou que 30% dos gastos também deveriam ser feitos com as candidatas, o que aumentou de 51 para 77 o número de deputadas federais eleitas na Câmara.
O advogado Gilmar Cardoso reitera ainda que os deputados membros da Comissão certamente irão propor muitas sugestões, até porque em paralelo, está atuando um Grupo de Trabalho do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para a Sistematização das Normas Eleitorais (SNE), que inclusive, realizou nesta semana a primeira rodada de seminários temáticos de uma série que será realizada durante todo o mês de maio, com o objetivo de ampliar o debate sobre o aprimoramento da legislação eleitoral brasileira.
Ressalto que essa comissão especial foi uma tática parlamentar para reacender várias pautas, pois, havia uma PEC que tratava apenas sobre prazos eleitorais com mudanças na data do calendário; no caso, aproveitaram a matéria e inseriram nelas os demais temas. Uma manobra regimental.
Entretanto, na avaliação de Gilmar Cardoso, o debate está aberto dentro das possibilidades existentes. Tudo pode ser discutido dentro da reforma eleitoral e não necessariamente o centrão vai ser o carro-chefe, muita coisa pode se desdobrar. No entanto, há de se ressaltar que o processo legislativo se autorregula. A Câmara dos Deputados tende a ser muito reativa a mudanças muito bruscas, por isso temos um alto ativismo do presidente, que tende a ser muito mais positivo do que o Parlamento. Isso quer dizer que não acredito que possa sair coisas muito estranhas, mas podemos retroceder por erro de cálculos e interesses pontuais na comissão, concluiu o advogado.