Para os especialistas o ataque às urnas eletrônicas constitui-se numa estratégia para tumultar o processo eleitoral e a disputa polarizada de 2022, além de indicar um eventual retrocesso
Muita gente não tem conhecimento ou lembrança de que a impressão do voto já foi testada no pleito de 2002, porém a experiência esbarrou em alguns obstáculos, lembra o advogado e consultor legislativo Gilmar Cardoso.
O teste foi feito devido a uma lei aprovada pelo Congresso instituindo a impressão do voto eletrônico (não confundir com as cédulas de papel usadas em todo o país até o início dos anos 1990) a partir do pleito de 2004.
A mudança havia sido instituída pela Lei nº 10.408/2002, segundo a qual o eleitor deveria fazer uma conferência visual do voto, sem ter contato com sua versão impressa. Impressoras foram acopladas a 23 mil urnas eletrônicas do país no Estado do Sergipe, do Distrito Federal e de cidades próximas às capitais, em um total de 150 municípios, recorda o advogado,
Se os dados fossem confirmados, o voto seria depositado em uma urna lacrada. Naquele ano, 7.128.233 eleitores de 150 municípios de todas as unidades da Federação, isto é, 6,18% do eleitorado brasileiro da época, tiveram seu voto impresso. No Distrito Federal e no estado de Sergipe, todas as seções eleitorais contaram com urnas com módulo de impressão externo.
O advogado avalia que sendo uma bandeira do presidente Jair Bolsonaro e de aliados, o teste do voto impresso de 2002, em vez do aumento da segurança, transparência e confiabilidade, o diagnóstico foi em sentido oposto: as eleições nessas localidades se tornaram mais inseguras, confusas e passíveis de fraude.
A medida causou confusão e tornou urna eletrônica vulnerável a fraude, cujo fracasso levou Congresso a revogar a iniciativa no ano seguinte.
O voto em cédula no Brasil, com apurações lentas e conturbadas, que podiam durar dias, vigorou até 1994. Na eleição municipal de 1996, a urna eletrônica começou a ser implantada nas maiores cidades do país.
Em 2000, o novo sistema estava operando em todo o território nacional, o que levou as cédulas a serem reservadas apenas para localidades em que o aparelho apresentasse defeito.
Desde então, apesar de não haver nenhum indicativo ou suspeita concreta de fraude na votação eletrônica, o Congresso Nacional já aprovou em três ocasiões leis tentando implantar não a volta das cédulas, mas a impressão do voto dado na urna eletrônica —leis 10.408/2002, 12.034/2009 e 13.165/2015.
De acordo com o Relatório das Eleições de 2002, elaborado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), além dos custos altos para implantação do sistema de urnas com voto impresso, os trabalhos foram dificultados em virtude do desconhecimento por parte de eleitores e de mesários quanto ao novo mecanismo. O grande número de falhas devido à natureza mecânica do processo de impressão também impediu o transcurso fluente dos trabalhos nas seções eleitorais.
Outros inúmeros problemas foram detectados nas seções onde houve voto impresso, tais como: número significativo de eleitores que saíram da cabine sem confirmar o voto impresso; demora na votação; necessidade de procedimentos de transporte, de guarda e de segurança física das urnas de lona com os votos impressos; treinamento mais complexo para os mesários, contrariando a orientação geral de simplificação do processo eleitoral; e ocorrência de problemas técnicos na porta de conexão do módulo impressor, o que a deixou vulnerável a tentativas de fraude.
Além disso, a impressão do voto em 2002 contribuiu para a quebra do sigilo constitucional do voto em algumas seções eleitorais, pois para resolver problemas de travamento de papel na impressora, foi necessária a intervenção humana. O travamento da impressora e a possível perda de alguns votos em determinada seção ainda possibilitou a ocorrência de divergência entre o resultado da urna eletrônica e o da urna de lona.
Ainda de acordo com o Relatório das Eleições de 2002, nas seções com voto impresso foi maior o tamanho das filas, o número de votos nulos e brancos, o percentual de urnas com votação por cédula – com todo o risco decorrente desse procedimento – e o percentual de urnas que apresentaram defeito, além das das falhas verificadas apenas no módulo impressor.
Desde que assumiu a presidência, Bolsonaro levanta suspeitas baseadas em falsas premissas contra a votação em urnas eletrônicas. Aliados seus no Congresso querem aprovar uma proposta de emenda à Constituição estabelecendo o voto impresso a partir do pleito de 2022.
O TSE já indicou que, mesmo que o Congresso aprove a medida, não terá condições orçamentárias e de logística para cumprir a medida, concluiu Gilmar Cardoso.
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LEI Nº 9.504, DE 30 DE SETEMBRO DE 1997.
Estabelece normas para as eleições.
Art. 59. A votação e a totalização dos votos serão feitas por sistema eletrônico, podendo o Tribunal Superior Eleitoral autorizar, em caráter excepcional, a aplicação das regras fixadas nos arts. 83 a 89.
§ 4o A urna eletrônica disporá de mecanismo que permita a impressão do voto, sua conferência visual e depósito automático, sem contato manual, em local previamente lacrado, após conferência pelo eleitor. (Incluído pela Lei nº 10.408, de 2002)
§ 4o A urna eletrônica disporá de recursos que, mediante assinatura digital, permitam o registro digital de cada voto e a identificação da urna em que foi registrado, resguardado o anonimato do eleitor. (Redação dada pela Lei nº 10.740, de 2003)