A mediação cultural vai além do desenvolvimento de atividades ligadas à arte de modo geral, como somos levados a pensar. Ela pode – e deve – ser usada também em ações que envolvam o atendimento a imigrantes ou refugiados. “A mediação trata de trazer à tona aquilo que não está visível porque temos culturas diferentes, temos trajetórias de vida diferentes. O que é óbvio para mim não é óbvio para outra pessoa”, diz a professora do curso de Letras – Artes e Mediação Cultural da UNILA Diana Araújo Pereira. No caso de refugiados ou imigrantes, nem sempre falar a mesma língua significa que a pessoa esteja sendo compreendida ou compreendendo determinadas situações. “Quando a gente fala de mediação cultural, a gente está falando de uma tradução cultural, não é somente a troca de uma língua por outra. É muito mais profundo que isso.”
A mediação – cultural, comunitária, social, de conflito – exige saber dialogar com o outro e, por isso, a profissionalização dessa atividade é cada vez mais importante, diz a docente. “É um campo profissional que exige uma habilidade social, a de comunicar, de construir diálogo, porque a comunicação nesse caso não funciona só com dar informação. A comunicação para mediação não pode ser linear. É muito mais complexo do que isso. Precisa ser um processo comunicacional circular onde quem tem a informação também seja capaz de escutar.”
Diana lembra que o grande número de imigrantes e refugiados no mundo exige a adoção de políticas públicas. A professora cita dados do Acnur, organismo da ONU para refugiados, segundo o qual, desde 2018, mais de 5 milhões de pessoas deixaram a Venezuela – desses, 270 mil vieram para o Brasil – e do Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), que recebeu pedido de refúgio de pessoas de 129 países. “Essa realidade está aí e precisa ser tratada com políticas públicas que tornem a mediação cultural parte do processo de construção da sociabilidade.”
Em 2020, o Acnur estimava o número de refugiados em 1% da população mundial, ou 82 milhões de pessoas. “Isso significa uma alteração muito rápida da convivência, da coexistência, do sentido de comunidade. Precisamos pensar sobre isso, precisamos buscar abordar essa situação com ênfase na diversidade”, diz a docente, ressalvando que essa ênfase deve evitar o isolamento de grupos que só se comunicam entre si. “Precisamos criar relações entre as diferenças”, avalia. “E a mediação pode fazer esse papel.”
Além do diálogo, ou da comunicação circular, a pesquisadora também cita a empatia como uma característica da atividade. “A mediação cultural como política pública pode trabalhar em função da empatia. Existem pessoas que já têm isso de forma inata, mas a empatia também pode ser pensada como uma habilidade que precisa ser desenvolvida”, afirma. “Precisamos trabalhar a mediação como política pública em mão dupla. Precisamos conseguir acolher, proteger e fortalecer a humanidade dessa pessoa que chega como refugiado na nossa comunidade, mas também precisamos trabalhar para que essa comunidade tenha condições de receber essa pessoa que chega como refugiado.”
A Lei de Imigração, de 2017, diz a docente, é considerada uma das mais avançadas do mundo. Entre outros pontos, a legislação garante ao imigrante a igualdade de acesso a direitos e liberdades civis, sociais, culturais e econômicas. “Mas o que a gente vê, de uns anos para cá, é um grande desmantelamento das nossas políticas públicas já vigentes”, diz. “Temos uma lei de migração favorável, mas um contexto político desfavorável”, lamenta. Para ela, é necessário haver um trabalho de mediação também nas instituições brasileiras, que têm uma cultura oposta à abertura que a Lei de Imigração propõe. “A xenofobia e o preconceito aparecem com o aumento do fluxo migratório. A gente precisa deixar aquela mentalidade de expulsão e assimilação para chegar a uma outra mentalidade, minimamente de coexistência respeitosa e, quem sabe ainda com mais esperança, de convivência.”
A mediação cultural, diz a docente, não deve ser encarada como um trabalho voluntário, muitas vezes desenvolvido por imigrantes com pessoas de seu país. “Esse é um campo profissional que precisa se desenvolver. Precisamos formar pessoas com essa capacidade, com essas habilidades sociais, e não esperar que de um determinado grupo haja alguém com uma aptidão natural para esse processo. Precisamos ter bons mediadores que consigam ter a capacidade de construir diálogo, de construir comunicação.”
Tríplice Fronteira
A região da Tríplice Fronteira, com seu intenso fluxo migratório, diz a docente, exige ações de mediação cultural que já vêm sendo desenvolvidas, mas que estão sendo ampliadas por meio de convênios e parcerias. “Para mim, a UNILA é um grande projeto de mediação cultural que foi colocado nesta região trinacional justamente porque aqui é um entroncamento importante de geopolítica, da economia, mas também da convivência cultural que podemos ter no continente”, ressalta, lembrando que a criação da Universidade proporcionou a vinda de pessoas de 32 novas nacionalidades para a cidade.
A Universidade oferece, desde 2011, o curso de Letras – Artes e Mediação Cultural, que deve passar em breve pela reformulação de seu projeto pedagógico para que a mediação cultural passe a ser predominante. “O mundo está mudando, e essa mudança demanda a construção de profissionais que consigam lidar com essas mudanças. A mediação vem nesse caminho, e o curso também vem nesse processo. Pouco a pouco a mediação cultural vai se tornando prioritária no curso. Estamos num processo de transição, e o curso passará a se chamar Mediação, Artes e Letras, justamente para a gente mostrar e publicizar que a mediação cultural passe a ser a intenção principal.”