A promessa de Lula e os desafios do Orçamento Participativo

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Classe política deverá ser convencida a abrir mão de decisões sobre recursos

Osmany Porto de Oliveira

Durante a campanha eleitoral, o agora presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), mencionou que iria criar um Orçamento Participativo (OP) em substituição ao orçamento secreto. Apesar de a proposta ser de grande interesse para a democracia, não se trata de uma política de fácil implementação, pois há um conjunto de desafios a serem enfrentados, como a resistência da oposição, o tipo de participação e a escolha do montante de recursos discutidos. Para compreender o cenário atual, se faz necessário explicar um pouco mais sobre o que é o OP.

OP é uma política de participação social, que inclui os cidadãos no processo de deliberação, controle e acompanhamento da execução do orçamento público. A política foi implementada de forma pioneira em Porto Alegre em 1989. Entre seus resultados, destacam-se a sua capacidade de inclusão da sociedade no processo de produção das políticas públicas e de promoção da justiça social. Progressivamente, passou a ser adotado em diversos municípios brasileiros, tanto por partidos de direita quanto de esquerda.

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Ao longo dos anos 1990 e 2000, o modelo ganhou destaque internacional. Foi reconhecido pela ONU, e o Banco Mundial também o recomendou, financiando projetos para auxiliar municípios de países em desenvolvimento a implementá-lo.

Cidades como Paris e Nova York também adotaram a política. Nos dias atuais, existem mais de 11 mil experiências em todas as partes do mundo. Já no Brasil, entrou em declínio nos últimos anos. Apesar das inúmeras experiências internacionais, como em Portugal, são raros os casos de OP em nível nacional.

O primeiro desafio da implementação é o de convencer a classe política a abrir mão da decisão sobre o uso de uma parcela dos recursos públicos e submetê-los à deliberação da população. Em diversos lugares, as forças políticas não chegam a um consenso sobre a deliberação, e há resistência de grupos mais conservadores. O Orçamento Participativo se torna um mero dispositivo de consulta da população sobre seus temas de interesse. Nesses casos, a decisão permanece com o governo.

Outro desafio está relacionado à escala da participação. O OP foi desenhado para ser implementado em nível municipal. Construir um processo participativo para um país continental como o Brasil representa um imenso desafio logístico de alcançar cidadãos em regiões remotas e de organizar a participação de milhões de pessoas.

O tipo da participação, por sua vez, também é uma questão importante. A participação pode ser feita diretamente pelos habitantes ou restrita a grupos de representantes. Por fim, há o desafio da quantidade de recursos que é colocada para discussão. Se o montante a ser tratado por meio do OP for insignificante, a incidência da população nas políticas públicas por meio da participação também será pequena.

Para que o futuro governo transforme a promessa feita durante a campanha em realidade, inevitavelmente terá que enfrentar e superar esses desafios. Dependendo das escolhas em termos do tipo de participação dos cidadãos no Orçamento e do volume de recursos destinado à política, o OP nacional poderá ser uma experiência com maior ou menor intensidade democrática.

A despeito de tais questões, será uma oportunidade importante para reconstruir a transparência nos gastos públicos, incentivar o controle social e retomar a democratização do processo de produção das políticas públicas no país.

A implementação do Orçamento Participativo brasileiro será, certamente, mais um passo para reinserir o país no mapa-múndi da democracia participativa.

Osmany Porto de Oliveira

Professor do Departamento de Relações Internacionais da Unifesp e coordenador do Laboratório de Políticas Públicas Internacionais (Laboppi); autor de “Embaixadores”

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