O meu amigo Ermínio Gatti

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Por Rogério Bonato

Tarde da noite, na quarta-feira, fui avisado sobre o estado de saúde de Ermínio. Disseram que estava desenganado e haviam decretado a falência múltipla de seus órgãos. É o tipo de notícia que jamais esperamos receber sobre alguém que conhecemos, admiramos e convivemos, mas sabemos que um dia isso acontecerá, e, de alguma forma, tratamos de assimilar a intensidade da memória, avivada, e, a dor que sentiremos.

Convivi com o Ermínio Gatti por mais de 40 anos e posso afirmar que foi um exercício intenso e cotidiano. Fizemos vários e vários negócios, uns deram certo, outros nem tanto, mas o resultado nunca estremeceu a amizade ou causou alguma fissura mais agravante. Não posso refletir o mesmo quanto ao “tempo”, porque a idade pesa, mexe com a cabeça e as pessoas se transformam. Inevitavelmente se recolhem; um sentido de introspecção obrigatória, difícil de explicar, pois nunca se sabe o nível de consciência. Se a opção de vida do Ermínio sempre foi a “solitude”, o que é bem diferente da solidão, não deve ter sido fácil para ele, deixar de controlar a privacidade e viver as coisas que sonhou. Eu sempre torci pela sua felicidade, imaginando-o matutando os acontecimentos pelo mundo, e, como se envolvia com os fatos. Ele sempre foi ligado em tudo o que acontecia.

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Não faz muito tempo, outro amigo, o Ziraldo – que recentemente completou 90 anos – disse ao telefone: “a idade me pegou de surpresa”. E ela pega, e além do mais, apronta. É muito triste ver como tudo vai ficando guardado no corpo, antes de vazar para a eternidade. As limitações são ingratas.

Lembro bem, que no dia em que completou 80 anos, Ermínio me chamou para tomar um café em seu gabinete, no Hotel Carimã. Era final de tarde e aproveitamos para jogar uma partida de bilhar. Depois de umas voltas na mesa ele colocou o taco sobre o feltro e disse: A cabeça quer jogar, mas o corpo não. Queixou-se das dificuldades que já enfrentava com a mobilidade; e pensar que alguns anos antes ele esquiava nas águas do lago de Itaipu?

Quando o vi pela última vez, senti que não fui reconhecido, mas compreendi a situação. Ficou aquela sensação desconfortável, porém plenamente compreendida. E as notícias que se seguiram não foram boas, embora soubesse que lhe prestavam o máximo de conforto. Quando quis visitá-lo, em várias ocasiões, as pessoas diziam: não faça isso, ele não recordará e se agitará; e é muito chato tirar as pessoas da zona de conforto, logo, tratei de exercitar o recurso de memória, com fartas e felizes recordações.

Não posso escrever algo além do que já escrevi a vida toda sobre oi meu amigo, afinal está tudo lá no livro Gato Preto Gato Branco, mas bastaria reafirmar que Gatti foi um homem arrojado para o seu tempo, ajudou a colocar Foz no mapa das cidades que vislumbravam o Turismo; acreditou nisso muito mais do que muitas pessoas. Investiu pesado todo o dinheiro que tinha; advertiu sobre os erros e seus alertas se consumaram, por várias vezes. Foz deveria ter escutado o Ermínio em muitas oportunidades, mas a opção foi ignorá-lo. Um erro. Quem dera? Deveriam saber que Gatti foi durante muito tempo o empresário mais bem conectado na cidade, o que lhe valeu respeito em todas as esferas do poder público. Foi o cidadão privado mais poderoso durante décadas.

Esses dias alguém disse: “Gatti faliu o seu império”. Foi uma afirmação infeliz. Ermínio, em verdade, jamais faliu. Fez o inimaginável e passou além; seu legado foi glorioso e seguiu adiante. Foi sim, uma vítima das transformações, de um mundo que mudou muito rápido para os padrões de empresários conservadores e, centralizadores; ele, especialmente acreditou em muita gente e criou uma escola importante de vida; não há uma pessoa na área comercial ou do setor de transporte, turismo, hotelaria e serviços, que algum dia não tenha realizado um negócio com o empresário. É sim, uma das figuras importantes da nossa história e merece que seu bom nome seja preservado.

Quando iniciei este texto, Ermínio ainda respirava, portanto, a mensagem seria distante de um obituário; seria muito feio se antecipar em situações assim, pois além do mais, trata-se de uma pessoa que merece a lembrança da vida, afinal, são 95 anos de uma trajetória pontuada por grandes feitos. De qualquer maneira, sempre quis escrever isso, e saudá-lo com respeito e admiração, independentemente das situações que foram criadas pelo destino. A vida é muito maior e as pessoas merecem justeza em seus perfis. Penso que se Ermínio Gatti pudesse ler este texto, se alegraria e concordaria com a minha opinião. Agradeço a ele pelo tanto que me ensinou. Agradeço cada uma das lições. Ao escrever as últimas linhas, ele faleceu. Seria, segundo informações levado para São Paulo, onde haveria o velório e sepultamento, como sempre desejou. Que descanse. Desejo aos familiares os meus mais profundos votos de pesar.

Rogério Bonato é publicitário, articulista e pintor

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