Por Zé Beto Maciel
E o que mais que pode ser destruído ou convertido em uma piada grotesca, de mau gosto? É meu amigo, como a canção do Bob Dylan, a resposta é muito difícil em uma cidade que dá pouco valor a sua história e que se dobra a ganância obliterada de poucos. O que aconteceu com a Santa Casa Monsenhor Guilherme chafurda nesse terreno predatório que acaba com o metal mais precioso da vida: a identidade de seu povo.
Eu posso elencar aqui o que a força da grana derrubou coisas tão belas que hoje se limitam a fotografias e alguns depoimentos das redes sociais. Coletoria de Renda, Cine Star, Igreja Presbiteriana, Oeste Paraná Clube, Casa dos Basso na Avenida Brasil, Delegacia da Polícia Civil, Estádio do ABC, Country Club, casa de dois andares na esquina das ruas Edmundo de Barros e Santos Dumont.
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Isso sem falar da força bruta que aterrou lagoas, alagadiços e nascentes, que canalizou rios e ainda empurrou centenas de famílias a morar em lugares insalubres. A ocupação do Bubas é o exemplo mais recente, mas pode-se anotar ainda as favelas do Monsenhor, do Queijo, do Jupira, da Guarda Mirim e de outros aglomerados geralmente nas margens e barrancas de rios.
Voltando a Santa Casa Monsenhor Guilherme, a perfídia que ainda não pagou os funcionários demitidos começou pela vaidade política que pretendeu deixar sua marca com a construção de um novo hospital. Desde os anos 2000, se não antes, a santa casa enfrentava problemas financeiros de toda ordem e até mau uso de recursos que entravam no caixa para manter sua subsistência.
Suspeitava-se na época de locação de equipamentos por parte do corpo médico e até a duplicação de exames realizados no nosocômio. Tudo podia ser investigado e confrontado, mas a opção para não macular suscetibilidades e atender um propósito político, foi simplesmente fechar o hospital e deixar sem pai nem mãe, os 360 funcionários que passados 17 anos, a maioria está a ver navios, alguns até morreram nesse período sem receber as verbas rescisórias.
O que foi feito com os registros do hospital, eu não sei. Se ainda existirem, no livro da maternidade estão o nascimento de dois irmãos, de dois filhos e até a morte do meu pai por enfisema pulmonar. O desprezo pela minha história e pela história de outros tantos iguaçuenses não se mede pelo vil metal ou por qualquer interesse político vaidoso e particular.
Hoje, num arremedo que não se usa mais, se mantém um pórtico (aí a piada de mau gosto), se constrói duas torres e pretende-se implantar um memorial. O parco registro deve desconsiderar equipamentos médico-hospitalares e a história do primeiro hospital e da primeira maternidade ficaram escanteados na memória daqueles que perseguem sua identidade.
O caso da santa casa não é o único. Como escrevi acima, o Cine Star foi derrubado para dar lugar a uma loja de eletrodomésticos. Não há notícia de qualquer acervo, projetores, cartazes, fotografias e até rolos de filmes se perderam no limbo da história. O mesmo pode-se deduzir do Cine Iguaçu que se tornou um templo neopentecostal.
A Igreja Presbiteriana virou um estacionamento; o Oeste Paraná Clube, um supermercado; o Country Club está sendo dilapidado pelo mercado imobiliário que avançou sobre a casa dos Basso, casa dos dois andares e de outros tantos imóveis que atrapalhavam o progresso e o desenvolvimento, objetos do meu escárnio e vitupério.
Lembro ainda que os pavimentos originários (em bom estado de conservação) da rua Quintino Bocaiúva e da Estrada Velha das Cataratas sequer foram considerados e receberam mantas de asfalto. O fato do secretário de Obras na época não ter qualquer vínculo com a cidade pode-se explicar a barbaridade.
Isso sem falar da memória eleitoral da cidade. As cédulas eleitorais das apurações, pedidos de impugnados, entre outros documentos, foram literalmente incinerados. Não tenho notícia se o mesmo pode ter acontecido com os documentos da história da justiça que funcionava no prédio hoje ocupado pela Fundação Cultura.
A força da grana, como eu disse, usou aqueles correntões de trator para derrubar matas. Poucos patrimônios restaram e não foram engolidos pela insanidade mocoronga travestida de modernidade. O Gresfi (primeiro aeroporto) – apesar da construção de um ginásio ao seu lado, o Bartolomeu Mitre – mesmo com a mudança de cor, a implantação de um colégio militar, a escola municipal na JK (já foi Mitre), a câmara municipal na Praça Getúlio Vargas, a escola Jorge Schimmelpfeng, o primeiro açougue e biblioteca na rua Quintino Bocaiúva, a antiga sede da Pan Air/casa do Harry Schinke e a Prefeitura (Palácio das Cataratas).
A lista pode continuar com a sede dos Correios, as casas na Avenida Brasil, o Teatro Barracão, os prédios antigos da Polícia Federal e do Banco do Brasil prédio do Hotel Cassino Iguaçu/Senac, a casa dos padres, a casa pioneira da avenida Jorge Schimmelpfeng, o complexo de edificações do batalhão e algumas áreas verdes que ainda resistem à afronta imobiliária.
O contrassenso que nos cerca também é histórico e ressalta bem o perfil de quem somos. Toleramos a predação que espalha algumas migalhas pela nossa anuência e rimos de propostas como a da iluminação noturna das Cataratas do Iguaçu. Se nenhuma atitude ou ação for tomada, meus amigos, vamos continuar cantando “quantas vezes um homem pode virar sua cabeça e fingir que ele simplesmente não vê?”. Até quando?