Agricultores do Paraná poderão ter que pagar pelo uso da água bruta dos rios do Estado. Entenda a lei!

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Rio Silva Jardim, em Capanema (Foto: José Fernando Ogura/ANPr)

O Governo pode passar a cobrar dos agricultores paranaenses, através da Secretaria de Estado do Desenvolvimento Sustentável e do Turismo (SEDEST), pelo uso da água dos rios de domínio do Estado pela captação de água bruta

A cobrança, de acordo com o advogado Gilmar Cardoso, incluiria usuários que fazem a captação de água em rio, córrego, ribeirão, lago, mina, nascente ou poço e lançamento de efluentes nos mesmos, desde que careçam da outorga de direitos de uso de recursos hídricos, que possui a finalidade de assegurar o controle quantitativo e qualitativo dos usos da água e disciplinar o exercício dos direitos de acesso à água.

No Estado, os atos de autorização de uso de recursos hídricos de seu domínio são de competência do Instituto Água e Terra (IAT – antigo Instituto das Águas do Paraná).

O domínio sobre os recursos hídricos significa a responsabilidade pela sua preservação, guarda e gerenciamento para garantir a sua perenidade e uso múltiplo, bem como o poder de editar as regras aplicáveis.

Gilmar Cardoso explicou que o consentimento de uso de água (outorga) é exigido para as mais diversas finalidades, como abastecimento doméstico ou público; aquicultura; combate a incêndio; consumo humano; envase; lavagem de areia, de artigos têxteis, de produtos de origem vegetal e de veículos; irrigação; lazer; limpeza; e processo industrial. Também é necessário em casos como a construção de obras hidráulicas (barragens, retificações, canalizações, drenagens, travessias etc) e serviços de dragagem (de mineração ou para desassoreamento).

A questão é que o Supremo Tribunal Federal – STF invalidou as regras que previam isenções de cobrança por uso de recursos hídricos, similar à situação vigente no Estado do Paraná, no vizinho Mato Grosso do Sul, sob a alegação jurídica de que a norma estadual contrariou a Constituição e a legislação federal ao criar isenção da cobrança pelo uso da água em atividades agropecuárias e agroindustriais, destaca Gilmar Cardoso.

Segundo o advogado que já foi procurador das entidades de representação nacional (Uvb) e estadual (Uvepar) dos Vereadores, na sessão virtual encerrada em 5/2, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) declararam inconstitucionais dispositivos da Lei estadual 2.406/2002 de Mato Grosso do Sul que tratam sobre as hipóteses de isenção de cobrança pelo direito de uso dos recursos hídricos no estado. Seguindo o voto do ministro Dias Toffoli, a Corte, por maioria, julgou procedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5025.

Gilmar Cardoso esclarece que dentre outros pontos, a norma considera inconstitucional prevê a isenção da cobrança pelo direito de uso da água no processo produtivo agropecuário mediante as condições nela definidas.

A ação foi ajuizada pela Procuradoria-Geral da República (PGR), que apontava ofensa ao pacto federativo, por contrariedade à legislação federal que rege a matéria. Segundo a PGR, a Constituição autoriza os estados a disciplinar a gestão dos recursos hídricos, mas as leis não podem contrariar as diretrizes e as normas fixadas pela legislação federal especialmente as afetas ao Sistema Nacional de Gestão dos Recursos Hídricos.

O advogado Gilmar Cardoso, que é membro do Centro de Letras do Paraná e da Academia Mourãoense de Letras destacou que, à exemplo dos agricultores do Mato Grosso, os produtores rurais do Paraná estão isentos das taxas de controle, acompanhamento e fiscalização do uso de recursos hídricos e minerais, por conta de previsão contida na Lei no. 18.878/ 2016 publicada no Diário Oficial de 30 de setembro de 2016.

À época, disse Gilmar Cardoso, a medida atendeu solicitação da FAEP e da Ocepar que estiveram em reuniões e audiências públicas com as lideranças do governo na Assembleia Legislativa, com o então Secretário da Fazenda, Mauro Ricardo Machado Costa, e com o governador Beto Richa, sensibilizando-os sobre os prejuízos que a medida traria para a produção agropecuária e para as agroindústrias do Paraná.

A legislação paranaense também isenta as pequenas centrais hidrelétricas do estado da cobrança da água. A lei também isenta da cobrança de taxa de controle, monitoramento e fiscalização das atividades de pesquisa, lavra, exploração e aproveitamento de recursos minerais como a lavra e a exploração de calcário, argilas, areias, britas, pedriscos, saibros, talcos, feldispatos. São matérias-primas de uma série de produtos que afetariam diretamente a agricultura.

Por outro lado, destaca o advogado Gilmar Cardoso que o Paraná cobra a água usada por indústrias e grandes usuários, e essa sistemática de cobrança pelo uso da água também é considerada um grande avanço na política de recursos hídricos do Paraná garantindo inicialmente na Bacia do Alto Iguaçu e Afluentes do Alto Ribeira a arrecadação de R$ 6 milhões por ano em recursos utilizados obrigatoriamente para a recuperação dos rios da bacia.

Desde o mês de setembro de 2013, aproximadamente 76 indústrias e grandes usuários que utilizam a água dos rios do Alto Iguaçu com finalidades comerciais, em seus processos de produção e operação, estão pagando pelo uso da água. O projeto piloto no Paraná abrange a bacia do Alto Iguaçu, mas a medida tem previsão de vir a ser implementada em todas as 16 bacias hidrográficas do Paraná.

De acordo com a proposta, todas as indústrias que retiram a água dos rios para sua operação, bem como as que utilizam a água para despejar efluentes tratados e as companhias de saneamento devem pagar.

No Paraná, na região da única bacia que adota a cobrança pelo uso da água até o momento (COALIAR), os preços são os mesmos desde que esta foi implementada em 2013, sendo R$ 0,01/m³ captação, extração e derivação de águas superficiais, R$ 0,02/m³ captação de águas subterrâneas de R$ 0,10/kg pelo lançamento de efluentes.

O advogado Gilmar Cardoso expôs que em tese a cobrança não é um imposto, mas uma remuneração pelo uso de um bem público, cujo preço é fixado a partir de um pacto entre os usuários da água – grande parte formado pelas indústrias, a sociedade civil e o poder público no âmbito dos Comitês de Bacia Hidrográfica.

“Os Comitês são responsáveis por propor ao Conselho de Recursos Hídricos os mecanismos e valores de cobrança a serem adotados na sua área de atuação”, afirma. Para ele, a cobrança pelo uso da água é a prova de que o governo e a sociedade estão unidos para construir uma nova realidade, onde a sustentabilidade é o objetivo principal.

Dados do Instituto das Águas do Paraná – autarquia da Secretaria do Meio Ambiente responsável por implementar a cobrança – informam que cerca de 4,2 mil usuários têm outorga (autorização pública) para captar água ou despejar dejetos nos rios no Paraná. Se a cobrança pelo uso da água for implementada nas 12 bacias hidrográficas do Paraná a previsão de arrecadação é de R$ 20 milhões por ano. “A legislação estabelece que os recursos arrecadados só poderão ser investidos em ações para a recuperação das bacias hidrográficas em que são gerados”, completa o advogado.

Competência privativa
O advogado Gilmar Cardoso descreveu que em seu voto, o ministro Dias Toffoli afirmou que o artigo 22, inciso IV, da Constituição, que fixa a competência privativa da União para dispor sobre águas, deve ser interpretado à luz do artigo 21, inciso XIX, que reserva ao ente federal a instituição do sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos e a definição dos critérios de outorga dos direitos de uso desses recursos. Esses critérios estão fixados na Lei federal 9.433/1997.

Segundo Toffoli, além de tratar de matéria da competência privativa da União, a lei estadual contraria o disposto na lei federal, pois isenta de cobrança o uso da água em atividades agropecuárias, agroindustriais e rurais, sob as condições que define. Ao assim dispor, a norma também subverte um dos objetivos do regime de outorga de direitos de uso de recursos hídricos, que é o controle quantitativo e qualitativo dos usos da água, tendo em vista que a expressiva atividade agropecuária em Mato Grosso do Sul demanda grande volume de recursos hídricos.

Ficou vencido, no julgamento, o relator da ação, ministro Marco Aurélio, que entendia que o estado atuou no campo da competência concorrente para legislar sobre a matéria.

Lei Nº 18878 DE 27/09/2016

Publicado no DOE – PR em 30 set 2016

Institui a Taxa de Controle, Acompanhamento e Fiscalização das Atividades de Exploração e do Aproveitamento de Recursos Hídricos, a Taxa de Controle, Monitoramento e Fiscalização das Atividades de Lavra, Exploração e Aproveitamento de Recursos Minerais, o Cadastro Estadual de Controle, Acompanhamento e Fiscalização das Atividades de Exploração e Aproveitamento de Recursos Hídricos e Minerais, e adota outras providências.

Art. 6º É isenta do pagamento da TCFRH a utilização de recurso hídrico:
I – destinado ao abastecimento e consumo residencial e não residencial, quando provido por concessionárias de serviços de abastecimento de água;
II – na captação e consumo destinados à atividade agropecuária, comercial, industrial ou de prestação de serviços no Estado do Paraná, exceto produção de energia hidroelétrica;
III – pelas Centrais Geradoras Hidrelétricas – CGH com potência instalada até 3MW.

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