Cada um no seu quadrado

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“O pior do homem público é quando ele sempre opta pela conveniência, sacrificando a coerência.” (Paulo de Tarso)

Luiz Claudio Romanelli

Há mais de 25 anos o Brasil deu fim a um período triste da história. A ditadura acabou após duas décadas de restrições aos direitos civis e de atos reprováveis sob qualquer ponto de vista. O fim da intervenção reestabeleceu o papel dos militares dentro do regime democrático, e permitiu aos brasileiros voltar a influir nos rumos da nação.

O processo de redemocratização colocou cada um no seu quadrado, e é assim que o País deve seguir. Por isso, são condenáveis as manifestações recentes de militares que colocam em risco a ainda curta caminhada democrática do Brasil. É inadmissível querer compelir os brasileiros à vontade de uma turma, ferindo os interesses gerais.

Lembremos que o assombro da ditadura não se desfez, mas a sociedade brasileira aprendeu a valorizar o papel das Forças Armadas, que no seu conjunto também entendeu seus limites, deveres e responsabilidades. Infelizmente, uma parte de estrelados oficiais, guindados a tarefas executivas e políticas dentro do governo da União, parece que quer rever a missão atual.

É perturbadora, portanto, a revelação do jornal O Estado de S. Paulo de que o ministro da Defesa, general Walter Braga Netto, teria ameaçado a realização da eleição em 2022 caso o Congresso Nacional não altere o funcionamento das urnas eletrônicas, permitindo o voto impresso e auditável. Mesmo que a afirmação tenha sido negada, ela reforça outras manifestações no mesmo sentido, inclusive do presidente Jair Bolsonaro.

Ameaças ao já consolidado processo eleitoral brasileiro sinalizam tão somente um forte apego ao poder. Retomar coisas como o voto impresso é regressar 100 anos no tempo. É apostar na volta do coronelismo como sistema preponderante, relegando o controle político da sociedade na mão de poucos privilegiados. E estes iluminados aventureiros de plantão querem que o País dê meia volta na sua trajetória.

O fato concreto é que existem ações deliberadas que procuram gerar instabilidade política no Brasil. Trata-se de um método que segue o péssimo exemplo do ex-presidente americano Donald Trump. Sabedor das dificuldades em se reeleger, ele questionou o modelo de eleição nos Estados Unidos, colocando em risco uma das democracias mais consolidadas do planeta.

O movimento de alguns militares de alto coturno reduz o prestígio das Forças Armadas, agora vistas como massa de manobras políticas. A isso se soma a desastrada atuação do ex-ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, ao conduzir o enfrentamento à pandemia de Covid-19. Suas confusões colocaram em xeque até a competência e a capacidade técnica que se imaginava existir dentro dos quartéis.

Se a maturidade democrática do Brasil é colocada à prova, temos que reagir. As respostas precisam seguir na mesma altura e intensidade dos ataques que a democracia tem sofrido. Aos militares cabe cumprir o papel constitucional. Envolver-se na política é abdicar de uma imagem consolidada de que Exército, Marinha e Aeronáutica são sóbrias instituições de Estado.

É evidente que ninguém vai resolver sozinho todas as mazelas que afetam a nossa sociedade, e as Forças Armadas sempre serão bem vindas para ajudar. Militares e civis devem exercitar direitos e liberdades, mas em função de propósitos comuns. Isso não significa abrir mão de ideais e muito menos de querer impor ideologias.

Essa conversa de ameaça à democracia e voto impresso é tudo tática diversionista pra tirar o foco da tragédia humana por conta da gestão da pandemia, do fracasso na economia, do isolamento internacional e destruição da Amazônia. Vamos parar de perder tempo e tratar do Brasil real.

Temos que nos juntar e alcançar um mínimo de consenso para construir um projeto de País. Isso é democracia!

Luiz Claudio Romanelli, advogado e especialista em gestão urbana, é deputado estadual e vice-presidente do PSB do Paraná.

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