Ligar para uma central de atendimento é submeter-se a um ritual de humilhação cuidadosamente planejado. Não é serviço, não é suporte, não é orientação. É um campo de provas, uma arena onde o cliente entra de peito aberto e sai triturado, com um número de protocolo na mão e a sensação de ter participado de um experimento social secreto.
A primeira etapa é a tortura psicológica do menu eletrônico. A voz gravada sempre parece feliz demais, como se estivesse debochando da sua pressa: Para pagamentos, disque 1; para dúvidas sobre produtos, disque 2; para ouvir novamente este menu, disque 3; para qualquer outra coisa, desligue e tente a sorte amanhã. É um diretório sem pé nem cabeça, feito para que você nunca encontre o caminho. E, quando acha que encontrou, ele leva para outro menu, que leva para outro, que… volta para o início. Uma espécie de Moebius telefônico, um looping infinito que transforma o cliente em rato de laboratório.
E quando você já está no limite da sanidade, vem a esperança: falar com um ser humano. Ingenuidade. O que atende é um robô disfarçado de gente, treinado para falar entendo, senhor em intervalos milimetricamente calculados. Você explica seu problema — algo simples, como mudar o endereço da fatura — e recebe de volta um roteiro teatral sobre como o sistema não permite, como é preciso abrir um chamado, como você deve aguardar 72 horas úteis, e como, no final, nada disso vai acontecer.
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Esses atendentes parecem saídos de uma escola de formação secreta, instalada em um bunker escondido, com disciplinas como: Como irritar um cliente em menos de cinco minutos; A arte de repetir frases inúteis sem perder o sorriso na voz; e O uso do protocolo como arma de destruição em massa. Para os mais avançados, há o módulo prático: Como transferir a ligação e fingir que caiu.
O problema é que esse jogo perverso deixa sequelas. Se a ligação acontece de manhã, meu dia azeda. Tudo o que vem depois — reunião, almoço, até a conversa com amigos — carrega o gosto amargo daquela conversa inútil. Se ligo à noite, adeus sono. Viro de um lado para o outro na cama, ruminando cada resposta ensaiada, cada desculpa esfarrapada, como quem repassa mentalmente uma discussão e pensa nas respostas brilhantes que deveria ter dado. O atendimento não resolve, mas consegue ocupar minha mente como se fosse um pesadelo contínuo.
No fundo, não é atendimento ao cliente. É um experimento cruel para testar limites emocionais. Uma ode à enganação, onde a promessa é de ajuda, mas o objetivo é mantê-lo girando em círculos até desistir. A meta não é resolver nada, é cansar você a ponto de aceitar qualquer coisa, até mesmo continuar recebendo a fatura no endereço antigo, porque, afinal, é menos trabalhoso do que insistir.
E quando, depois de meia hora de espera e mais meia hora de explicações, a ligação finalmente chega ao fim, o saldo é desolador. O problema continua exatamente igual, mas você tem em mãos um número de protocolo. Um número frio, solitário, sem utilidade prática, que serve apenas para provar que você perdeu tempo. É o troféu da derrota, um certificado oficial de que você acreditou na promessa de atendimento e caiu na armadilha.
A pior constatação vem logo depois: sei que vou ligar de novo. Sei que, em algum momento, vou precisar do serviço e serei tolo o bastante para tentar mais uma vez. É como voltar à mesma montanha-russa que sempre dá enjoo, a gente entra já sabendo o final, mas insiste, talvez por teimosia, talvez por fé no improvável.
O que as centrais de atendimento nos ensinam, com toda a paciência cruel de um carrasco, é que a paciência não é virtude. É apenas um número de protocolo.
(*) João Zisman é jornalista e secretário de Comunicação Social da Prefeitura de Foz do Iguaçu (PR).
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