Por João Zisman
Num tempo em que as redes sociais transformaram qualquer indivíduo com conexão e opinião em fonte de informação, é urgente refletir sobre os rumos da comunicação. A avalanche de notícias ruins, mentirosas ou estapafúrdias muitas vezes nasce de quem sequer tem qualificação para informar – mas se vale da aparência de legitimidade para espalhar dúvida e inquietação.
O mais curioso (e preocupante) é que, mesmo sem desejar isso, seguimos todos – leitores, ouvintes e até jornalistas – para um lugar onde nunca quisemos estar. Essa dinâmica pode ser explicada por uma combinação reveladora entre o Paradoxo de Abilene e o Princípio de Pareto.
O Paradoxo de Abilene, concebido por Jerry B. Harvey, descreve como grupos podem tomar decisões coletivas que contrariam os desejos individuais de todos os seus membros, simplesmente por receio de discordar ou parecer destoante. Transposto ao universo da comunicação, o paradoxo escancara como a passividade diante de conteúdos toscos – ou a adesão, mesmo relutante, a discursos rasos – leva a sociedade a seguir um caminho de alienação, como quem embarca no ônibus para Abilene sem saber por quê.
lógica do Paradoxo de Abilene explica o movimento coletivo.
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O raciocínio de Pareto mostra a origem do estrago. Juntos, revelam uma engrenagem onde a ignorância emitida por poucos se transforma na verdade aceita por muitos, com a complacência dos que poderiam, mas não quiseram contestar
A avalanche de desinformação ganha tração justamente porque quase ninguém ousa questionar a rota. Fica mais cômodo aceitar. Mais “seguro” acreditar. E assim, mesmo sem desejar o destino final, todos avançam juntos para o vazio da superficialidade – conduzidos mais pela omissão do que por convicção.
É aí que entra Pareto. Segundo seu famoso princípio 80/20, uma pequena parte das causas é responsável pela maioria dos efeitos. Aplicado à mídia e ao ambiente digital, vemos que cerca de 20% das notícias, compostas por intrigas, especulações, frases distorcidas e manchetes apocalípticas, geram 80% do impacto na opinião pública. Esse conteúdo barulhento, por vezes irresponsável, sufoca os 80% restantes, compostos por informações úteis, análises sérias e propostas que poderiam, de fato, melhorar o debate público.
A consequência é grave: a alienação fabricada pela calamidade substitui a esperança construída na verdade. O senso comum passa a ser moldado por ruídos, não por fatos. O senso crítico, por sua vez, adormece, anestesiado pela quantidade de estímulos, pela repetição das narrativas, pela sensação de que “todos estão indo, então talvez eu também deva ir”.
A lógica do Paradoxo de Abilene explica o movimento coletivo. O raciocínio de Pareto mostra a origem do estrago. Juntos, revelam uma engrenagem onde a ignorância emitida por poucos se transforma na verdade aceita por muitos, com a complacência dos que poderiam, mas não quiseram contestar. Se queremos resgatar a clareza, a razão e a substância na comunicação, o antídoto não está em censurar o ruído, mas em valorizar o conteúdo. Está em cultivar leitores que questionem, compartilhem com consciência e tenham preguiça apenas de serem manipulados.
Porque enquanto a dúvida campeia e a esperança é soterrada por manchetes tolas, continuaremos todos rumando a Abilene. Juntos. Involuntariamente. E sem ninguém ter desejado verdadeiramente estar ali.
* João Zisman é economista, jornalista e secretário de Comunicação e Relações Institucionais de Foz do Iguaçu (PR).
Artigo publicado originalmente na Gazeta do Povo