Governo Bolsonaro revê acordo sobre free shops e abre crise no Mercosul

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Países vizinhos se queixam de medida que ampliou produtos vendidos em lojas francas brasileiras

O governo Bolsonaro revisou um acordo do Mercosul sobre a instalação de lojas francas (free shops) terrestres no Brasil e abriu uma crise com os demais parceiros do bloco econômico.

Adianta o jornalista Ricardo Della Coletta, na Folha de S.Paulo, que em reunião do Grupo Mercado Comum (órgão executivo do Mercosul) em Brasília na semana passada, as delegações de Argentina, Paraguai e Uruguai se queixaram da adoção, pela Receita, de uma instrução normativa que ampliou significativamente o número de produtos que podem ser comercializados em lojas francas nas fronteiras do Brasil com esses três países.

A lista é bastante mais extensa do que a de um acordo de dezembro de 2018. Dessa forma, as delegações dos demais estados-membros reclamaram ao Brasil que ela coloca em risco os comércios locais nas cidades fronteiriças.

A instrução da Receita permite, por exemplo, que os free shops brasileiros terrestres vendam, num regime livre de impostos, produtos de cesta básica, eletrodomésticos de grande porte, armas, maquinário agrícola, materiais de construção e pneus.

Segundo os demais países, isso deixa as lojas do lado brasileiro em vantagem em relação às lojas estrangeiras, que em alguns casos ficam a poucos metros de distância.

O desconforto foi tamanho que os sócios do Brasil no Mercosul fizeram questão que a “preocupação” constasse na ata do encontro do Grupo Mercado Comum, segundo texto obtido pela Folha.

Segundo participantes, os free shops foram o principal ponto de tensão na reunião.

Antes proibida, a instalação de lojas francas em fronteiras terrestres do Brasil foi possibilitada com uma lei de 2012. Após a regulamentação, as primeiras unidades começaram a ser abertas neste ano.

O principal estado interessado é o Rio Grande do Sul, onde já há free shops terrestres funcionando em três cidades.

As regras determinam que os free shops de fronteira só podem ser abertos em cidades-gêmeas —as que fazem limite com municípios de um país vizinho. Há no Brasil 33 cidades-gêmeas, 11 delas no RS.

Também existem regras sobre quanto cada pessoa pode comprar: há um limite de US$ 300 em mercadorias, num prazo de 30 dias.

A criação de lojas francas em fronteiras sempre teve resistência na área técnica da Receita, que aponta problemas como a perda de arrecadação. Mas defensores desse mercado encontraram forte respaldo no governo Bolsonaro.

No Planalto, o principal impulso veio do ministro Onyx Lorenzoni (DEM). Ele promoveu reuniões na Casa Civil sobre o tema e patrocinou um encontro entre parlamentares que defendem a pauta e líderes empresariais com o ministro Ernesto Araújo (Relações Exteriores), em fevereiro.

No RS, a agenda é tocada pelo deputado estadual Frederico Antunes (PP).

O parlamentar refuta as críticas e diz que instrução da Receita de agosto teve por objetivo colocar o Brasil em igualdade com os demais membros do Mercosul. Segundo ele, essas nações já podem comercializar diversos itens nos seus free shops terrestres e o Brasil vinha sofrendo prejuízos.

“Não podemos voltar a ter assimetria. Alguns países iriam ficar vendendo esses produtos e não poderíamos fazer o mesmo”, afirma.

O argumento é rebatido pelos outros sócios do Mercosul.

Interlocutores no governo do Uruguai disserem à Folha que, embora o país tenha lojas francas de fronteira com o Brasil desde a década de 80, esses estabelecimentos comercializam só bebidas, perfumes, roupas e produtos de luxo, em regime similar ao aplicado nas lojas de aeroporto.

Com cidades brasileiras vendendo pneus e itens de cesta básica livre de impostos, o Uruguai teme até que alguns produtos terminem em Montevidéu, a 300 km da fronteira.

A Argentina tem situação semelhante, mas menos intensa. Hoje, as lojas francas terrestres funcionam apenas em uma cidade, Puerto Iguazú (Duty Free, foto acima), gêmea de Foz do Iguaçu.

O governo brasileiro refuta as queixas e diz que a instrução normativa retoma regra criada em março de 2018.

Segundo o governo Bolsonaro, a revisão foi necessária porque apenas o Uruguai até o momento ratificou internamente a resolução do bloco comercial. Sem a retomada de uma lista ampla, afirmam, o Brasil teria prejuízos.

“Como a resolução ainda não foi implementada pela totalidade dos países-membros do bloco, o Brasil optou por permitir a oferta de produtos para eliminar a desvantagem concorrencial das lojas brasileiras perante as dos países vizinhos”, afirma a Receita.

O Itamaraty usou argumento semelhante: “Apenas o Uruguai internalizou a resolução do Mercosul até o momento e, consequentemente, a referida norma não se encontra em vigor. O governo brasileiro tem a obrigação de internalizar a resolução ou, alternativamente, deve propor a sua revogação aos sócios do Mercosul”.

O Ministério das Relações Exteriores, porém, não adiantou qual posição o país deve tomar em relação ao tema.

Os quatro membros do Mercosul têm regras diferentes para ratificar internamente a resolução do bloco econômico.

A Argentina possui o processo mais complicado, que demanda aprovação do Congresso. Com o país no meio de um processo eleitoral, a avaliação é que o trâmite levará tempo.

Procurado, Onyx Lorenzoni não se manifestou.

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