Infectologistas – As “Cassandras” da pandemia

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Flávia Trench

Para quem não manja de MITOLOGIA GREGA : Cassandra era filha do rei Príamo com a rainha Hécuba e sacerdotisa no templo de APOLO na cidade de TRÓIA.

Por não ter aceito os ardentes e insistentes convites de Apolo para tomar um chopp no fim de tarde, ela foi tratada como são tratadas muitas mulheres vítimas de admiradores indesejáveis.

Apolo não foi fisicamente violento, mas foi perverso e cruel em seu castigo dando a Cassandra o dom de profetizar, mas com a ressalva de que , ninguém acreditaria nas suas profecias, exceto quando fosse tarde demais.

Desde o inicio da Pandemia nós Infectologistas temos sido as Cassandras que nunca são ouvidas e muitas vezes tratadas como insanas.

No período de Dezembro e Janeiro quando a Pandemia estava num horizonte distante e aqui grassava a maior epidemia de Dengue da História, mesclada com surtos de sarampo e de febre amarela em humanos, ninguém ouviu e só se falava de Coronavírus , enquanto adoeciamos e morríamos destas outras doenças, duas delas com prevenção vacinal efetiva e disponível gratuitamente no SUS. Ninguém queria falar de outra coisa que não fosse o SARS-CoV 2.

Do final de janeiro inicio de fevereiro em diante, quando avisamos que deveríamos vigiar rigorosamente as fronteiras e fazer busca ativa e isolamento de sintomáticos e comunicantes provenientes de viagens ao exterior acharam que era exagero.

Chegou março e assustados com a evolução da doença no hemisfério norte, o brutal numero de casos, mortes e a desestruturação do sistema de saúde ninguém ouviu quando dissemos que era cedo para LOCKDOWN, que esta era uma medida última, pois ninguém aguenta mais que 30 dias de isolamento sem degringolar psicologicamente e economicamente e além disso correríamos o risco de empurrar a curva para dentro do inverno ,onde teríamos que lidar com o Coronavírus aliado aos demais vírus e outros patógenos respiratórios que circulam nesta época.

Daí em final de abril, cansados de ficar em casa, ninguém escutou quando falamos que a reabertura tinha que ser gradual e muito estruturada para não ocorrer um aumento abrupto dos casos e um colapso do sistema de saúde.

Essas foram só algumas das múltiplas ocasiões em que não escutaram os Infectologistas nesta Pandemia.

Infelizmente onde outros vendem estratégias mágicas e tratamentos milagrosos nós INFECTOLOGISTAS só podemos entregar A VERDADE DOS FATOS.

NÃO EXISTE TRATAMENTO PREVENTIVO
NÃO EXISTE TRATAMENTO ESPECÍFICO
NÃO TEREMOS VACINA TÃO CEDO
AS ÚNICAS MEDIDAS QUE PODEM NOS DAR ALGUM IMPACTO POSITIVO SÃO: USO DE MÁSCARAS, HIGIENIZAÇÃO DAS MÃOS, DISTANCIAMENTO SOCIAL, BUSCA ATIVA DE SINTOMATICOS E COMUNICANTES E SEU ISOLAMENTO RIGOROSO, TESTAGEM EM MASSA DOS SINTOMÁTICOS, ESTRATÉGIAS DE EPIDEMIOLOGIA PARA ACOMPANHAR ESPALHAMENTO VIRAL, TELEMEDICINA E TELEORIENTAÇÃO, AMPLIAR AO MAXIMO O NÚMERO DE LEITOS DE TERAPIA INTENSIVA.

Assim como Cassandra , nós não fomos e não seremos escutados, pois poucos são os ouvidos que aceitam verdades incômodas.

Não seremos ouvidos, não seremos chamados a opinar , debater ou participar em ações de Enfrentamento a Pandemia na maior parte das cidades, embora sejamos o profissional que trabalha com Doenças Infecciosas todo o Santo dia, faça chuva ou sol. Lidar com infecções virais é nosso ganha pão. Também não serão chamados Pneumologistas ou Intensivistas, outras Cassandras com notícias reais.

Nossa fala é dura, objetiva, realista e pede a cada um enormes e constantes sacrificios neste percurso obscuro, longo e incerto.

Somos o Arauto das verdades incômodas.

Onde os ignorantes tem certezas, nós temos dúvidas ,hipóteses e possibilidades.

Nossas esperanças não são eufóricas , nem ufanistas, são pequenas ,restritivas, mas bem embasadas.

Não nos escutarão, nós cometemos o pecado de não atender ao desejo alheio, assim como Cassandra!

Talvez finalmente um dia nos escutem quando for tarde demais….. Talvez depois….

Para o momento resta a mim e aos meus pares Infectologistas desenvolver qualidades das quais, eu pelo menos, muito careço: HUMILDADE , PACIÊNCIA E RESIGNÇÃO

Flávia Trench é Infectologista desde 1994 (CRM 12550 -PR)

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