Por Maria Vitória de Moura
Desde o início de seu governo, o presidente argentino, Javier Milei, vem realizando críticas contundentes ao Mercosul, com ameaças de saída e ausências em encontros de alto nível. O líder neoliberal adotou um discurso de confronto com o bloco, questionando sua relevância econômica e política.
Sua retórica se intensificou no início de 2025, quando o presidente voltou a levantar a possibilidade de retirar a Argentina do bloco caso não houvesse avanços no processo de flexibilização comercial. Para Milei, a prioridade é ampliar acordos bilaterais, especialmente com os Estados Unidos, ainda que isso implique confrontar regras estabelecidas desde a criação do Mercosul.
Milei também seguiu o exemplo dos Estados Unidos e não compareceu à COP 30, realizada no último mês, em Belém. O presidente já havia mencionado, no início deste ano, a possibilidade de retirar a Argentina do Acordo de Paris, quando Trump anunciou a saída dos Estados Unidos do tratado.
Nesse contexto, Fábio Borges, professor da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA), e pesquisador de Economia Política Internacional e Relações Sul-Sul, analisa como o afastamento da Argentina do Mercosul e de acordos multilaterais, como o Acordo de Paris, podem impactar as relações políticas e econômicas da Argentina.
Um risco desnecessário
Para o professor, as questões ideológicas do presidente acabam afastando seu governo de seus principais parceiros políticos em nome da sua relação com os Estados Unidos. A negação das mudanças climáticas, reforçada pela ausência de Milei na COP 30, também se alinha aos interesses dos EUA na exploração dos recursos argentinos, o que Borges analisa ser mais um gesto em direção a Donald Trump.
“Não participar desses acordos apenas para agradar os Estados Unidos é uma posição muito limitadora e muito inocente por parte da Argentina”, afirma.
Para ele, a reaproximação com o governo Trump é um “risco desnecessário”, já que a saída da Argentina do Mercosul ou o enfraquecimento de seu compromisso com o bloco colocariam em risco o acesso preferencial a um mercado que absorve uma parcela significativa de suas exportações.“O perfil das exportações argentinas para a América do Sul é bastante diversificado, gera mais empregos e agrega maior valor. Portanto, independentemente de Milei gostar ou não dessa aproximação por motivos ideológicos, ela oferece benefícios reais e materiais”.
Essas vantagens comerciais se refletem na pressão exercida internamente por empresas e instituições argentinas, o que impede Milei de romper totalmente com o Mercosul e com os acordos internacionais. Prova disso é que, apesar das reiteradas ameaças, a Argentina jamais formalizou um pedido de saída do bloco.
“Por mais que Milei tenha sugerido que deixaria o Mercosul, a realidade é que o empresariado argentino pressiona o governo para que permaneça no bloco”, enfatiza o professor.
O mesmo se aplica à área climática. Apesar de não ter comparecido à COP 30, Milei, ao contrário de Trump, enviou uma delegação oficial ao evento, evidenciando que há limites institucionais para seu discurso de ruptura. Províncias argentinas também se mobilizaram para manter presença ativa na conferência e o setor privado exerceu pressão contra o abandono de acordos que possam comprometer o acesso a mercados internacionais, já que as empresas, segundo Borges, mesmo que apenas como uma estratégia de marketing, “vão preferir um país que tenha políticas ambientais mais racionais”.
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Uma ajuda com condições
Ao apostar quase exclusivamente nos Estados Unidos, Milei limita a capacidade da Argentina de articular interesses próprios no sistema internacional. Borges observa, ainda, que a aproximação entre Trump e Milei, marcada por promessas de “ajuda” financeira, pode ter um alcance restrito.
“Para os Estados Unidos há limites de ajuda à Argentina, e esse limite pode ser imposto da noite para o dia. Então não adianta ele [Milei] se submeter dessa maneira vergonhosa aos Estados Unidos”, afirma.
Essa submissão reduz a capacidade argentina de influenciar agendas regionais importantes, como infraestrutura, segurança e integração energética, além de comprometer a previsibilidade necessária para atrair investimentos de longo prazo, o que pode fragilizar o país, tornando-o dependente de interesses externos.
O professor também aponta que a Argentina atravessa uma alta vulnerabilidade aos efeitos das mudanças climáticas e que o país possui uma “geografia e geoeconomia únicas na América do Sul”, o que torna ainda mais contraditória a tentativa de romper com acordos climáticos, já que suas especificidades ambientais poderiam atrair importantes investimentos internacionais na área ambiental, que poderiam ser destinados a projetos de transição energética e outras áreas estratégicas.
O ofício de resistir
Apesar das divergências atuais, não é simples desmontar um bloco como o Mercosul, que completa 35 anos e cuja relevância estratégica é reconhecida por setores econômicos e políticos dos próprios países-membros, o que cria barreiras práticas e institucionais para qualquer tentativa de ruptura.
“O Mercosul está conseguindo resistir bravamente, mesmo a governos que não possuem grande afinidade com o seu projeto”, afirma Borges.
Assim, apesar das turbulências políticas e das investidas recentes contra o regionalismo, o Mercosul tende a continuar sobrevivendo, pois permanece sendo um instrumento vital de estabilidade e desenvolvimento. O pesquisador lembra, ainda, que a política costuma avançar em ciclos.
“O Brasil, na era Bolsonaro, abandonou o Mercosul Social. Foi uma política do governo brasileiro naquele momento, quando a Argentina, sob Alberto Fernández, era mais entusiasta da integração. Agora, vivemos uma situação inversa, com o Milei contrário à integração e o Lula novamente muito favorável”, explica o professor.
Para ele, o quadro argentino pode expressar um agravamento da crise social, econômica e política nos próximos dois anos. A avaliação é que a vitória de Javier Milei nas eleições para o Congresso representou “um golpe grande à esquerda argentina”, mas também abriu espaço para sua reorganização, já que o campo progressista vinha fragmentado e sem um projeto claro para a maioria da população.
Após o período atual, marcado por uma agenda neoliberal e por tensões com parceiros regionais, é provável que se forme, em algum momento, um novo ciclo progressista. “São fases que, no geral, trazem elementos dramáticos, crises e dificuldades, mas acabam redefinindo o rumo político”, conclui.
Originalmente publicado na Agencia de Noticias Cientificas da Universidad Nacional de Quilmes.
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