O tempo sempre foi caprichoso, mas hoje ganhou assistente. Chamamos isso de inteligência artificial, mas o nome que faz sentido no cotidiano é tempo agêntico. Ele nasceu da pressa e da promessa de domar o instante. Nasceu também da esperança de fazer mais com menos erro. É invenção nossa e, por isso mesmo, reflexo do que somos capazes de projetar.
Tempo agêntico agenda compromissos, sugere rotas, organiza dados e costuma ter uma resposta pronta antes de terminarmos a pergunta. É o guru do presente em forma de aplicativo. E como todo guru promissor, traz vantagens concretas: economiza horas, evita desencontros, melhora diagnósticos, acelera descobertas, torna serviços acessíveis, ajuda quem precisa sem distinção.
Em muitas frentes, a IA é um avanço imenso para a humanidade. E quando falo em humanidade, refiro-me a uma abrangência que não cabe em unidades de medida. Inclui o paciente que recebe o diagnóstico mais cedo, a criança que acessa educação remota, a pesquisa que ganha meses de trabalho e a ideia que se transforma em política pública.
Ao mesmo tempo, o paradoxo é evidente. Quanto mais ferramentas criamos para ganhar tempo, mais o tempo parece escapar. Multiplicam-se notificações e rotinas automáticas. A agenda se enche de compromissos marcados por nós, por outros e por máquinas. A sensação interior é de menos silêncio. É aí que entra o balanço: tecnologia que liberta é avanço, tecnologia que substitui a escolha é ilusão de progresso.
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O homem no seu tempo se tornou um equilibrista digital. Precisa responder a mensagens e preservar espaços para pensar. Tem de aceitar sugestões do assistente e também ouvir o próprio corpo. Quer ser eficiente e ainda assim encontrar prazer numa xícara de café que esfriou porque a conversa se prolongou mais do que o planejado.
Atravessar gerações deixou de ser prova de resistência e se tornou jogo de cintura. É reconhecer que o filho pode saber mais de um aplicativo e que isso não diminui a autoridade do pai. É perceber que o pesquisador pode confiar em modelos preditivos, mas que o laudo final exige sensibilidade humana. É admitir que a administração pública pode usar algoritmos para priorizar políticas sem abrir mão do debate democrático. Ser atual é usar a máquina como suporte, não como oráculo.
Tempo agêntico organiza, prediz, automatiza. Não sente o gosto do café, não guarda o riso torto que virou história, não mede a paciência de quem espera por outro por afeto e não por eficiência. Mas pode liberar tempo para que esses sabores aconteçam. A inteligência artificial amplia capacidades. Cabe a nós decidir quais capacidades merecem ser ampliadas.
Se inventamos o tempo agêntico, podemos também reivindicá-lo. Podemos fazê-lo trabalhar a favor dos nossos instantes e não contra eles. Podemos aceitar sugestões e manter autoridade sobre o que importa. Podemos programar alertas e também cultivar o hábito de ignorá-los quando convém. Podemos permitir que a máquina preveja caminhos e decidir, por humanidade, tomar a estrada mais longa.
O tempo, no fim, continua sendo palco. O tempo agêntico é um cenógrafo habilidoso: arruma cadeiras, ilumina entradas, distribui microfones. Mas quem sobe ao palco somos nós. Improvisamos falas, trocamos versos, erramos o ritmo. Essa agência humana, a capacidade de escolher, errar, corrigir e rir, é o que permite que o avanço tecnológico seja, de fato, um avanço para a humanidade em toda a sua amplitude.
A vitória não é derrotar o tempo nem obedecê-lo sem pensar. É habitar o instante com escolha. É aceitar a máquina como aliada e, quando necessário, lembrá-la de que o último gesto cabe a nós. Se o algoritmo acreditar que nos adiantou, ótimo. Nós teremos conquistado outro presente, íntimo e imprevisível, para contar.
(*) João Zisman é jornalista e secretário de Comunicação Social da Prefeitura de Foz do Iguaçu.
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