Os 89 anos da conquista do voto feminino no Brasil

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Dia da Conquista do Voto Feminino no Brasil é comemorado nesta quarta (24) (Foto: Arquivo Nacional)

Nesse dia, em 1932, Código Eleitoral passou a assegurar às mulheres brasileiras o direito ao voto

Gilmar Cardoso

Quem acompanha a importância da luta das mulheres por direitos e o quanto essa discussão tem espaço nos dias atuais muitas vezes não imagina quão recentes são algumas das conquistas para o gênero feminino do ponto de vista histórico. Há apenas 89 anos, as mulheres nem sequer participavam da vida política do país, uma vez que eram proibidas de votar.

Somente em 24 de fevereiro de 1932, o Código Eleitoral passou a assegurar o voto feminino; todavia, esse direito era concedido apenas a mulheres casadas, com autorização dos maridos, e para viúvas com renda própria. Essas limitações deixaram de existir apenas em 1934, quando o voto feminino passou a ser previsto na Constituição Federal.

Oficialmente o Dia da Conquista do Voto Feminino no Brasil passou a ser comemorado a partir de 2015, com a promulgação da Lei nº 13.986, de 08 de janeiro de 2015.

O voto feminino no Brasil foi conquistado em 1932 e incorporado à Constituição de 1934 como facultativo. Somente o Código Eleitoral de 1965 equiparou o voto feminino ao dos homens.

O voto feminino foi conquistado depois de uma luta de 100 anos. O marco inicial das discussões parlamentares em torno do direito do voto feminino são os debates que antecederam a Constituição de 1824, outorgada por d. Pedro I. Essa Constituição não trazia qualquer impedimento ao exercício dos direitos políticos por mulheres, mas, por outro lado, também não era explícita quanto à possibilidade desse exercício.

Em 1831, ainda no Império, durante o período de Regências (após a abdicação de d. Pedro I), o assunto voltou a ser discutido na Assembleia Geral Legislativa. Nesse ano, os deputados José Bonifácio de Andrada e Silva e Manuel Alves Branco apresentaram um projeto de reformulação do sistema eleitoral, que previa o voto feminino em eleições locais.

Mas foi somente em 1932 que as mulheres obtiveram o direito de votar, o que veio a se concretizar nas eleições do ano seguinte. Isso ocorreu a partir da aprovação do Código Eleitoral de 1932, que, além dessa e de outras conquistas, instituiu a Justiça Eleitoral, que passou a regulamentar as eleições no País.

A conquista do voto feminino teve participação decisiva da zoóloga Bertha Lutz (1894 – 1976). Ela fundou a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, em 1922, iniciativa vinculada ao movimento sufragista internacional, principal tendência do feminismo no início do século 20.

As outras reivindicações eram igualdade entre os sexos e independência da mulher. Em 1932, Bertha foi uma das duas mulheres nomeadas para integrar a comissão para elaborar o anteprojeto da nova Constituição – a outra foi a advogada Natércia da Cunha Silveira (1905 – 1993). Em 1936, Bertha (que era suplente) assumiu o mandato na Câmara dos Deputados.

O artigo 2º do Código Eleitoral continha a seguinte redação: “É eleitor o cidadão maior de 21 anos, sem distinção de sexo, alistado na forma deste Código”. A aprovação do Código de 1932 deu-se por meio do Decreto nº 21.076, durante o Governo Provisório de Getúlio Vargas.

Somente dois anos depois, em 1934, quando da inauguração de um novo Estado Democrático de Direito, por meio da segunda Constituição da República, esses direitos políticos conferidos às mulheres foram assentados em bases constitucionais. No entanto, a nova Constituição restringiu a votação feminina às mulheres que exerciam função pública remunerada.

O voto secreto garantia o livre exercício desse direito pelas mulheres: elas não precisariam prestar contas sobre seu voto aos maridos e pais. No entanto, somente as mulheres que trabalhavam (aquelas que recebiam alguma remuneração) eram obrigadas a votar. Isso só mudou em 1965, com a edição do Código Eleitoral que vigora até os dias de hoje.

O direito do voto foi finalmente ampliado a todas as mulheres na Constituição de 1946 que, em seu artigo 131, considerava como eleitores “os brasileiros maiores de 18 anos que se alistarem na forma da lei”.

Em 1985, outra barreira foi superada em relação aos direitos políticos das mulheres: o voto do analfabeto. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), na década de 1980, 27,1% das mulheres adultas eram analfabetas.

Ter a ampla participação de mulheres na política brasileira, concorrendo a cargos eletivos por todo o país, só foi possível após a instituição do voto feminino no Brasil, que se tornou realidade depois de longas mobilizações e articulações das ativistas pelo direito da mulher à participação na vida pública, também conhecidas mundialmente como sufragistas.

Analisem, por exemplo, que em 1930, o Brasil deu o primeiro passo com a tramitação de um Projeto de Lei no Senado para garantir o direito da mulher ao voto, mas o exercício do direito, de fato, foi assegurado somente em 1932, com a criação do Código Eleitoral.

O decreto, no entanto, só permitia o voto para mulheres casadas e com autorização do marido, solteiras com renda própria ou viúvas, além de ser facultativo. Tais restrições caíram por terra com a Constituinte de 1934, que permitiu a participação de mulheres tanto na votação quando nas candidaturas.

Pioneirismo

O Rio Grande do Norte foi o primeiro estado brasileiro a registrar o voto feminino, antes mesmo do decreto de 1932. Com base em uma lei estadual de 1927, em que o Rio Grande do Norte estabeleceu a não distinção de sexo para o exercício do voto, a professora Celina Guimarães Viana requereu seu alistamento no rol de eleitores do município de Mossoró, tornando-se a primeira eleitora do Brasil.

Também vem do Rio Grande do Norte o pioneirismo de mulheres no Executivo. Em 1929, Alzira Soriano foi eleita prefeita do município de Lajes, com 60% dos votos, tornando-se também a primeira prefeita na América do Sul.

Mulheres na política

Muitos foram os direitos conquistados até aqui, mas a luta por igualdade de gênero nos espaços públicos e de poder continua. Ainda que as mulheres representem quase 53% de todo o eleitorado brasileiro, elas ainda são a minoria nos cargos eletivos.

A legislação eleitoral promoveu avanços para tornar esse cenário mais equilibrado, como o sistema de cotas para o preenchimento de candidaturas femininas por partidos políticos, que deve ser de, no mínimo, 30%. Este ano, os partidos também terão que apresentar as assinaturas das candidatas à Justiça Eleitoral, a fim de evitar irregularidades.

A conscientização de que o espaço público pertence a todos os cidadãos, independente de gênero, raça e classe social, ultrapassa os limites do tempo e mostra-se cada vez mais urgente diante dos desafios para a vida em comunidade e das questões relacionadas à representatividade. E essa transformação na estrutura política, sem dúvidas, também depende da atuação de mulheres nas tomadas de decisão.

Luta que continua

Apesar dos avanços, a luta das mulheres por igualdade de direitos ainda é atual e se reflete nos espaços de poder, onde os homens ainda ocupam a maioria absoluta dos cargos. Elas representam quase 53% de todo o eleitorado brasileiro, mas, ainda assim, são a minoria nos cargos eletivos.

A legislação eleitoral e a jurisprudência dos tribunais têm contribuído para mudar esse cenário, ainda que lentamente. Nesse sentido, alterações legislativas foram necessárias para deixar explícito aos partidos que é obrigatório o preenchimento de 30% e o máximo de 70% de candidatos de cada sexo. Antes, a regra era tida apenas como uma orientação, e, dessa forma, os partidos não se empenhavam para preencher as vagas com candidatas mulheres.

O desafio é fazer com que as legendas entendam a importância da participação feminina na política e invistam em suas campanhas, dando às mulheres a possibilidade de disputar em grau de igualdade com todos os candidatos.

Para tanto, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tem sido rígido nos julgamentos de casos envolvendo candidaturas fictícias, ou seja, aqueles em que mulheres foram registradas como candidatas apenas para cumprir a cota de gênero, sem a real intenção de concorrer ao cargo e sem o investimento do partido em suas respectivas campanhas.

A Corte firmou o entendimento de que, se as provas de fraude forem robustas a ponto de confirmar o ilícito eleitoral, os candidatos envolvidos devem ter seus diplomas cassados, podendo, inclusive, ficar inelegíveis.

* Gilmar Cardoso é advogado e membro do Centro de Letras do Paraná e da Academia Mourãoense de Letras

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