Pra não dizer que eu não falei das flores

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Luiz Claudio Romanelli

“Nossa geração teve pouco tempo/começou pelo fim/mas foi bela a nossa procura/mesmo com tanta ilusão perdida/quebrada/mesmo com tanto caco de sonho/onde até hoje a gente se corta.”- Alex Polari

Há 36 anos, o centro de Curitiba reuniu milhares de pessoas num movimento que ganhou o Brasil. Foi na Boca Maldita que em 12 de janeiro de 1984 aconteceu o primeiro comício pró-Diretas Já. Eu estava lá, ajudei a organizar o movimento, assim como várias lideranças políticas e militantes da democracia. A maioria levou suas bandeiras, cartazes e faixas. Foi uma bonita festa com jovens, velhos e gente do povo. Ali tivemos a certeza que o regime de exceção já vivia seus estertores.

Foi uma luta árdua. Depois que o povo tomou as ruas de Curitiba exigindo o direito de escolher o presidente da República, outras cidades do estado, capitais e grandes cidades brasileiras fizeram o mesmo. E o movimento, que nasceu no Paraná, cresceu e virou nacionalista.

Ainda não foi em 1984 que conseguimos estabelecer a democracia no Brasil. A luta pela democracia durou mais alguns meses. E somente em 15 de março de 1985, se colocou um ponto final em duas décadas de regime militar no Brasil. A eleição no Congresso Nacional de Tancredo Neves e seu vice, José Sarney, colocou fim à ditadura militar e deu início a um novo período democrático na história brasileira.

Ver hoje alguns ditos movimentos democráticos, com faixas e cartazes pedindo a volta do regime militar, é muito mais do que insensatez ou miopia, é falta de conhecimento da história e um atentado. Foram anos de lutas, debates e discursos – gente que perdeu a vida – para que hoje o Brasil pudesse viver a plena democracia, ainda que com alguns erros, mas também, muitos acertos.

A ditadura militar no Brasil começou em 1964, com um golpe civil-militar contra João Goulart, presidente à época. O regime militar era autoritário, sustentado por atos institucionais, como o AI-5, que cerceou a liberdade de imprensa. Foram 21 anos de tortura, período em que o Brasil teve cinco presidentes-generais e deixou um saldo de 434 mortos e desaparecidos, além da morte de milhares de indígenas.

Dói mais ainda ver ainda alguns poucos baderneiros, alheios à história do Brasil, queimarem a bandeira nacional em praça pública, num vergonhoso e criminoso ato de vandalismo e desrespeito ao símbolo máximo de um país. É revoltante, para dizer a verdade.

Revoltante porque os desavisados participantes destes movimentos sequer estudaram o que foi o regime militar. Liberdade de imprensa ou de expressão era um dos direitos que não existia naquele período nefasto do Brasil.

Infelizmente, hoje a democracia está ameaçada. E um dos indicadores que mede o ranking da democracia em um país e o quanto ele preserva a liberdade de escolha dos cidadãos, é a liberdade de imprensa.

A revista The Economist mediu o ranking da democracia em 167 países. O último ranking foi divulgado em janeiro deste ano, referente a 2019, e aponta que o Brasil perdeu uma posição, é o 52º da lista no mundo e o 10º na América Latina, atrás do Uruguai (15º), Chile (21º), Colômbia (45º) e Argentina (48º).

O ranking qualifica a democracia brasileira como “imperfeita”. Em 2006, quando o indicador foi lançado, o Brasil era o 42º da lista. Em 2008, com a eleição do presidente Lula, ganhou uma posição. Mas, desde então, vem sofrendo queda. Em 2017, o Brasil era o 49º colocado, caindo para a 50º posição em 2018 e, agora, sua pior posição, 52º.

A organização Repórteres sem Fronteiras também aponta um indicador assustador. Na classificação mundial da liberdade de imprensa de 2020, o Brasil aparece na posição de número 107. Perdeu duas posições em um ano.

“O Brasil continua sendo um país particularmente violento para a imprensa. A eleição de Jair Bolsonaro em outubro de 2018, após uma campanha marcada por discursos de ódio, desinformação, violência contra jornalistas e desprezo pelos direitos humanos, marcou a abertura de um período especialmente sombrio para a democracia e a liberdade de imprensa”, diz parte do documento da entidade.

Precisamos resgatar os valores de uma democracia plena junto com a retomada do desenvolvimento do país. E só tem um jeito de fazermos isso, com unidade e trabalho das forças progressistas.
Juntos, prefeitos, vereadores, deputados, governadores e senadores, políticos ou não, precisamos do esforço e entendimento. Essa unidade precisa ser reforçada nos mais de cinco mil municípios brasileiros.

Por outro lado o Poder Judiciário não pode (e não deve) ser protagonista num país democrático. Poderes, numa república, devem ser independentes e harmônicos entre si. A interferência entre os poderes, como tem ocorrido atualmente, apenas alimenta o discurso de ódio, que pede o fechamento do Congresso e o fim da democracia.

Quanto mais incitados aqueles que desconhecem a história de luta pela democracia, mais força eles vão acreditar que têm, sem medir as consequências de seus atos. Jamais podemos aceitar como normal, quaisquer atos que venham ferir o estado democrático de direito, como os que temos visto nos últimos dias.

Luiz Claudio Romanelli, advogado e especialista em gestão urbana, é deputado estadual e vice-presidente do PSB do Paraná

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