Ministra da Segurança propõe retirar controle migratório da fronteira em Puerto Iguazú

Proposta reacende debate sobre concorrência desleal na fronteira e pode pôr fim a um modelo que há 20 anos prejudica o comércio de Puerto Iguazú

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Foto: Reprodução/City Tour Argentina

Em um movimento que surpreendeu o setor empresarial da região trinacional, a ministra da Segurança da Argentina, Patricia Bullrich, anunciou neste sábado (31) a intenção de transferir o posto de Migrações de Puerto Iguazú, hoje localizado na Ponte Internacional Tancredo Neves, para uma área próxima ao aeroporto, nos arredores da cidade. A proposta reaquece uma reivindicação histórica ignorada por sucessivos governos nas últimas duas décadas.

“Estamos trabalhando na ideia de deslocar o posto fronteiriço para permitir que haja livre circulação daqueles que queiram fazer turismo no lado argentino das Cataratas do Iguaçu”, afirmou Bullrich durante coletiva de imprensa em Posadas, capital da província de Misiones.

A proposta visa aliviar o trânsito na travessia internacional, permitindo que visitantes estrangeiros – especialmente brasileiros – que cruzam a fronteira apenas para compras ou passeios rápidos, evitem longas filas e burocracia no atual sistema de controle. No entanto, o impacto vai além do conforto: pode corrigir um desequilíbrio econômico que há anos penaliza o comércio local.

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Uma distorção que favorece poucos

O atual modelo beneficia diretamente o Duty Free Shop da London Supply, instalado estrategicamente antes do posto migratório. Por não estar submetido ao controle de entrada e saída do país nem à fiscalização fiscal regular, o estabelecimento atrai milhares de consumidores – principalmente brasileiros – que compram e retornam ao Brasil sem entrar na cidade.

Esse “atalho” representa um duplo privilégio: os clientes do Duty não enfrentam trâmites aduaneiros e encontram preços mais baixos, já que o local está isento de impostos nacionais obrigatórios para os demais comerciantes de Puerto Iguazú. O resultado, segundo empresários locais, são milhões de dólares que deixam de circular na economia da cidade.

“A situação é insustentável”, afirmam os comerciantes, que veem suas lojas esvaziadas enquanto o capital estrangeiro escorre a poucos metros do centro comercial.

Reforma migratória e uma chance de reparação

A medida proposta por Bullrich se conecta ao decreto 366/2025, que prevê mudanças no controle migratório nacional. Caso a mudança se concretize, o novo posto beneficiaria apenas quem entra na Argentina para seguir viagem ao interior do país, isentando turistas de curta permanência das burocracias atuais.

A proposta é celebrada por empresários como uma possibilidade real de corrigir uma injustiça antiga. A reivindicação formal teve início em 2007, liderada por Evaristo Barroso, então presidente da Câmara de Comércio local. Em 2011, o tema foi levado à Justiça Federal de Eldorado, mas o processo misteriosamente desapareceu nas gavetas do juiz Miguel Ángel Guerrero.

Promessas e lobbies

A Auditoria Geral da Nação chegou a investigar o caso e prometeu revisar as irregularidades que favoreciam o Duty Free, mas o lobby da London Supply foi mais forte que os apelos por equidade.

Ao longo desses 20 anos, nomes como Viky Fernández (Salame Maluco), Pepe Pardo (artesãos Nuria), e “Petiso” Giménez (Feriña) tornaram-se símbolos de resistência. Todos faleceram sem ver justiça.

Poder e privilégios

No centro da polêmica está a London Supply e seu proprietário, Teddy Taratuty. Empresário com histórico de proximidade ao poder, Taratuty foi citado como doador de US$ 1,8 milhão no resgate da gráfica estatal Ciccone, operação que culminou na condenação do ex-vice-presidente Amado Boudou.

Apesar das trocas de governos, a empresa manteve seus privilégios intactos, enquanto o comércio de Puerto Iguazú luta para sobreviver às imposições fiscais e burocráticas. “Enquanto isso, os turistas passam, compram e vão embora sem deixar um centavo na cidade”, desabafam os comerciantes.

Um novo começo?

Para muitos, a fala de Bullrich – ainda que tardia – pode ser o marco de uma virada histórica. A expectativa é que a proposta não fique apenas no discurso. “É hora de parar de proteger os amigos do poder e começar a fazer justiça com quem trabalha”, diz um empresário local.

Por Silvana Canal com Misiones Opina

@fozdiario


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