Por João Zisman
O debate sobre a federalização de estruturas municipais de saúde tem ganhado consistência à medida que os municípios assumem responsabilidades cada vez maiores na prestação de serviços essenciais. Em muitos casos, não se trata de abrir mão da autonomia local, mas de buscar uma nova forma de cooperação entre os entes federativos, baseada na realidade concreta de cidades que extrapolam seu papel tradicional dentro da rede do SUS.
Municípios-polo ou cidades de fronteira frequentemente concentram fluxos migratórios, turísticos e de atendimento regional que geram uma demanda desproporcional sobre suas redes locais. É o caso de Foz do Iguaçu, que, embora tenha cerca de 300 mil habitantes, contabiliza mais de 456 mil cartões SUS ativos, sendo 33 mil pertencentes a estrangeiros. Isso significa que a estrutura pública de saúde da cidade opera para um contingente muito superior à sua população oficial — e com reflexos diretos sobre a capacidade de atendimento, o orçamento e o planejamento de médio e longo prazo.
O Hospital Municipal Padre Germano Lauck, referência para a média complexidade na região da tríplice fronteira, ilustra esse cenário. A unidade presta um serviço essencial não apenas à população local, mas a dezenas de municípios vizinhos e à população migrante, o que reforça a necessidade de uma atuação mais robusta da União na manutenção e expansão desse tipo de atendimento.
Leia também
Projeto oferta bolsa para assistente social recém-formado atuar no Hospital Municipal
Diante dessa realidade, a criação da Autarquia Municipal de Saúde, em gestão anterior, foi concebida como um passo preparatório para a federalização do hospital. Naquele momento, entendia-se que o processo de adesão à Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH) ocorreria com celeridade, permitindo a transição da gestão para a esfera federal em tempo razoável. Contudo, a complexidade técnica, jurídica e administrativa envolvida, aliada à ausência de deliberações conclusivas, acabou por estagnar o processo, mantendo o município responsável integral por uma estrutura que atende muito além do que prevê sua capacidade fiscal.
Nesse contexto, a federalização do hospital surge como alternativa legítima e estratégica. Trata-se de uma forma de redistribuir responsabilidades e garantir maior estabilidade financeira à estrutura de saúde, preservando a qualidade do serviço prestado e permitindo que o município também amplie seus investimentos em outras áreas prioritárias.
Vale destacar que a federalização não significa perda da identidade local ou do controle social sobre os serviços. Pelo contrário: quando bem estruturada, com base em diálogo e respeito à realidade municipal, pode ampliar a capacidade técnica, incorporar práticas de gestão modernas e integrar a unidade a uma rede hospitalar nacional com maior alcance e sustentabilidade.
Com a retomada das tratativas junto ao governo federal, Foz do Iguaçu volta a vislumbrar a possibilidade de avançar nesse processo. A expectativa é que, desta vez, o diálogo amadurecido e as evidências concretas da sobrecarga enfrentada pelo município permitam a construção de um modelo compartilhado, que preserve o compromisso com o cidadão e alivie a carga fiscal local.
A responsabilidade pela saúde pública deve ser entendida como missão comum. Quando o município busca a federalização, não está se omitindo, mas propondo uma nova lógica de cooperação: mais justa, mais racional e mais condizente com a complexidade de uma cidade que, como Foz do Iguaçu, serve muito além de suas fronteiras geográficas.
* João Zisman é jornalista e secretário de Comunicação Social de Foz do Iguaçu.