Pesquisadores da UNILA e servidores do Centro de Controle de Zoonoses (CCZ) estão fazendo um mapeamento das residências de acumuladores de objetos e de animais em Foz do Iguaçu. A partir do levantamento, o grupo pretende traçar um perfil e propor um protocolo para o acompanhamento de casos suspeitos de Transtorno de Acumulação pelos órgãos públicos da cidade. Atualmente, poucas cidades contam com políticas públicas específicas para tratar a questão. Também participam do estudo docentes e acadêmicos da UFPR e da UEPG.
O coordenador local do projeto, professor Walfrido Kühl Svoboda, explica que o Transtorno de Acumulação é uma doença que vem aumentando nos últimos anos, atingindo populações de países desenvolvidos e em desenvolvimento. “São pessoas que têm uma compulsão pela acumulação. O excesso de objetos dentro de casa ou no terreno pode virar abrigo para animais sinantrópicos, contribuindo para a proliferação de doenças como Dengue, Zika, Chikungunya e até mesmo a Febre Amarela. Também é frequente encontrarmos casos de acumulação de animais de estimação, trazendo mais riscos para o acumulador, para a comunidade que mora no seu entorno e para os próprios animais”, salientou o docente do curso de Saúde Coletiva da UNILA.
A pesquisa é inédita em Foz do Iguaçu. Em 2019, a equipe já tinha iniciado um levantamento no Distrito Sanitário Norte, mas o estudo não teve seguimento por conta das restrições impostas pela pandemia de Covid-19. Atualmente, o grupo está fazendo visitas em todas as regiões do município, aplicando questionários, colhendo amostras de solo e fazendo coleta de sangue. Os pesquisadores também querem verificar se há presença de zoonoses e identificar parasitas e vetores de doenças que podem estar presentes nas moradias.
De acordo com a supervisora técnica da Divisão de Controle de Zoonoses do CCZ, Renata Defante Lopes, há muitos anos o setor recebe denúncias de situações de acumulação e, por não se tratar de algo simples de resolver, decidiu buscar apoio externo. “Atualmente, a principal dificuldade que enfrentamos é não saber a real dimensão desse problema e, sem essa mensuração, não é possível realizar um planejamento integrado das ações”, explicou. Renata, que também é mestranda do programa em Políticas Públicas e Desenvolvimento da UNILA, conta que hoje as denúncias envolvendo os casos suspeitos de acumuladores são acompanhadas pelo CCZ, Secretaria de Meio Ambiente e Secretaria de Assistência Social. “Mas o atendimento é feito de forma isolada, em cada setor. O que buscamos agora é um protocolo intersetorial e multiprofissional, incluindo, também, outros órgãos da Prefeitura”, disse.
O perfil do acumulador
Todo mundo conhece alguém que é muito desorganizado e que costuma guardar muitas coisas que não usa. Mas, de acordo com o estudante de Medicina, Mário Salas, não basta ter muitos objetos para ser considerado um caso suspeito de Transtorno de Acumulação. A principal característica é apresentar sofrimento ao tentar se desfazer dos bens acumulados. “Os acumuladores compulsivos apresentam sofrimento mental e sintomas físicos só de pensar em descartar suas coisas, inclusive objetos de pouco valor. Há relatos de pacientes que quando os familiares foram orientados a tentar retirar os objetos do domicílio, tiveram surto psicótico, crise de ansiedade e até sofreram infarto. Fazer a retirada de maneira forçada causa um sofrimento gigantesco e não resolve o problema. O acumulador geralmente volta a acumular depois de um tempo”, salienta o discente, que é bolsista do projeto.
Por ser considerada uma doença recente, ainda há poucas pesquisas específicas sobre o Transtorno de Acumulação. “Sabemos que a maior parte dos casos são mulheres idosas, acima dos 60 anos, que apresentam comorbidades e vivem sozinhas. Há casos em homens, mas são mais raros. É preciso mais estudos para entender as causas desse transtorno e o porquê ele atinge mais fortemente as mulheres”, destaca o professor Walfrido Svoboda. Até pouco tempo atrás, a acumulação era considerada um sintoma do Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC). Somente em 2013, o Transtorno de Acumulação foi descrito como uma doença com características específicas, no Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5), conhecido como a “bíblia da psiquiatria”.
A necessidade de políticas públicas
O que já se sabe sobre a acumulação de objetos e animais é que a melhor forma de tratar o problema é com políticas públicas baseadas no conceito de Saúde Única: em que a saúde humana, animal e ambiental são pensadas de forma interligadas e dependentes. O professor Alexander Welker Biondo, da UFPR, trabalha diretamente com a temática desde 2007 e ajudou a implantar um fluxo de atendimento para acumuladores em Curitiba. “A experiência de Curitiba nos mostrou que é necessário manter um grupo de trabalho permanente, inclusive com a participação do Ministério Público. O gestor público precisa assegurar um programa específico para comportamento de acumulação compulsiva, pois envolve saúde humana e pública, saúde animal e saúde ambiental”, explicou.
Em Foz do Iguaçu, os pesquisadores querem propor a criação de uma comissão de trabalho multidisciplinar, que analise cada caso individualmente, para intervir da maneira mais adequada. O projeto terapêutico precisa incluir apoio psicológico e acompanhamento médico para tratar os problemas de saúde do paciente e doenças infecciosas, mas também são necessárias orientações do CCZ que garantam cuidados com os animais domésticos e prevenção de doenças causadas por sinantrópicos, além de acompanhamento de assistentes sociais, já que a maior parte dos pacientes têm poucos recursos econômicos.
A pesquisa da UNILA faz parte de um projeto financiado pela Fundação Araucária, que está fazendo um levantamento dos acumuladores da região metropolitana de Curitiba, Ponta Grossa e Foz do Iguaçu. Um dos objetivos do estudo, coordenado pelo professor Alexander Biondo (UFPR), é verificar se a localização geográfica interfere no perfil dos acumuladores. Em Foz do Iguaçu, além da UNILA e da Prefeitura, participaram das visitas e coletas nas residências representantes da UFPR, UEPG e da Puerdue University (Indiana, Estados Unidos).