A coluna Cabeza News resgata, nesta quinta-feira (1º de fevereiro), um artigo que seria publicado na quarta edição da revista Cabeza, da Academia de Cultura de Foz do Iguaçu (Aculfi), em 2004, mas que nunca chegou à ir para a impressão.
O texto primoroso assinado pelo colega Montezuma Cruz, que atuou na comunicação de Foz do Iguaçu de 1991 a 1996, resgata um pouco a histórica de Álvar Nuñez Cabeza de Vaca.
O conquistador espanhol passou pela região da Tríplice Fronteira em 1542 e foi o primeiro cidadão europeu a avistar as Cataratas do Iguaçu e registrar o encontro com as magníficas quedas na fronteira entre Brasil e Argentina.
Neste artigo, Monte faz um resgate sobre a história e legado de Cabeza de Vaca, que dá nome a coluna, a revista da Aculfi e ao fanzine editado na década de 1990, dentro do projeto Rock no Subúrbio de festivais undergrounds solidários de Foz do Iguaçu.
Boa leitura!
Por Montezuma Cruz
Álvar Nuñez Cabeza de Vaca está nas apostilas escolares e livros de navegação, mas ainda merece uma investigação mais aprofundada por historiadores brasileiros. Sua participação na conquista da fronteira não está pronta. Quem sabe, possa um dia ser reescrita, a partir da Espanha, de onde ele saiu.
A perspectiva de se garimpar documentos e depoimentos naquele país demonstrará que a história não pode ser mera reprodução do passado, nem sucumbir, estática. Exige revisão, como forma de contribuição para se entender o presente.
O comandante dos 400 homens que desembarcaram no litoral catarinense 40 anos após o Descobrimento do Brasil não foi o primeiro conquistador a descobrir as Cataratas do Iguaçu, e sim, o primeiro europeu a contemplá-las e dela se aproximar. A revelação surpreende e inspira qualquer historiador a procurar os demais desbravadores.
Há sete anos, para atrair turistas espanhóis, autoridades de Foz do Iguaçu projetaram uma homenagem a Cabeza de Vaca: um busto no Parque Nacional. Até então, o único a ter semelhante reconhecimento foi o pioneiro da aviação, Alberto Santos Dumont, que se hospedou na cidade em 1916. Há um ano, Rogério Bonato registrou no livro Ara’puka, conflitos e labirintos do paraíso, questiona a importância da passagem do espanhol pela região. O livro reúne preciosas passagens da vida desse expedicionário.
Que influência Cabeza de Vaca causou no processo de colonização, uma vez que a história do Brasil praticamente o desprezou? — desafia Bonato. “Para compreendê-lo seria necessário conhecer o ímpeto daqueles aventureiros, para depois comemorar a sorte, qual nos impôs o destino, por ter sido ele a primeira autoridade credenciada a explorar o sul do continente”, acrescenta.
Balboa descobriu o Pacífico, o Mar del Sur, lembra Bonato num diálogo sobre grandes vultos, com o dono da pensão onde morou, Antônio Cabral de Mendonça, seu Cabral. E foi Cabeza de Vaca quem concluiu que a América era um continente.
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Em 1996, autoridades e representantes do turismo paranaense visitaram Jerez de la Frontera, na Espanha, a terra do conquistador, Sevilha, Barcelona e Madri. Tentava-se reconquistar visitantes espanhóis, cujo fluxo de viagens a Foz havia diminuído. Naquele período, atrás da Alemanha, a Espanha classificava-se em segundo lugar entre os principais parceiros turísticos de Foz.
Na Biblioteca Especializada em Turismo Frederico Engel, é possível conhecer relatos que explicam a aventura de Cabeza de Vaca pelo continente, até Asunción. Consta que, ao chegar na capital paraguaia, ele soube do insucesso dos estabelecimentos espanhóis no Prata.
Em 18 de outubro de 1541, o conquistador carregou o que pôde de ferro em barra para fabricar machados, facas e outros objetos que presenteou às populações indígenas.
O único referencial sobre as etnias fronteiriças ainda é encontrado no Museu Fortin M’Bororé, em Puerto Iguazú (Misiones), na Argentina.
A caravana chegou às margens do Rio Iguaçu em 14 de janeiro de 1542. Os índios, primeiros bons guias de turismo na época, só não teriam alertado o batalhão espanhol sobre o perigo das Cataratas, só percebidas pelos viajantes, por causa das nuvens de neblina e pelo estrondo da água. Diversos autores mencionam o som das águas.
No que se sustentava a história de quase 500 anos numa época em que se sonhava com a construção de um Museu Histórico em Foz, para reunir o acervo disperso numa vasta faixa dos rios Paraná e Iguaçu? Em depoimentos de aproximadamente 40 pioneiros, reunidos pela Fundação Cultural de Foz, nos 80 anos da cidade, dentro do Projeto Memória.
O Museu do Parque Nacional aguardava recuperação. Por sua vez, o Ecomuseu da Itaipu Binacional colecionava peças de cerâmica com mais de cinco mil anos, resgatadas entre Foz e Guairá. O único referencial sobre as etnias fronteiriças ainda é encontrado no Museu Fortin M’Bororé, em Puerto Iguazú (Misiones), na Argentina.
De lá para cá, qual a novidade que soubemos a respeito do passado do conquistador? O que mais pudemos acrescentar à sua histórica vinda para esta região?
Ele sonhava além do horizonte. E não inventou as Cachoeiras de Santa Maria
Somente na primeira metade do século XX, os historiadores e pesquisadores Morris Bishop, Henry Miller e Fernández de Oviedo buscaram registros concretos a respeito dos feitos de Cabeza de Vaca.
Ara’puka revela: “A menor margem de erro para definir o nascimento dele está entre março e junho de 1492, em Jerez de la Frontera e não em Sevilha, como defendem alguns estudiosos. Deve-se a Hipólito Sancho de Sopranis, por meio de laboriosas pesquisas no território de Andaluzia, a quase exatidão do nascimento de Álvar, um dos seis filhos de Francisco de Vera e Teresa Cabeza de Vaca, o sobrenome mais nobre. Seu avô paterno, Pedro de Vera, conquistou as Ilhas Canárias e foi um dos heróis da libertação de Granada. (…)Desde cedo os jovens ansiavam a aventura, uns esperando a riqueza, outros o conhecimento. Álvar também sonhava além do horizonte”.
Bonato corrige crendices, mentiras e qualquer quantidade de palavras que puseram na boca de Cabeza de Vaca, sobretudo a respeito das Cataratas, as quais não batizou de Saltos de Santa Maria, ou rogou-lhes as bênçãos de beleza e admiração, conforme profetizam alguns livros escolares e materiais publicitários.
O expedicionário nada mencionou sobre aquilo que lhe surgiu, como um sofrido obstáculo a transpassar e nada mais. “É de imaginar as dificuldades que encontrou com sua gente até superar as imensas cachoeiras”.
O livro reprisa a existência de remotos vestígios de aldeamentos nômades no interior do Parque Nacional, uma característica comum do povo Guarani. “Álvar e seus homens teriam adquirido canoas na altura de Capanema, portanto, próximos das Cataratas. É possível imaginar o sofrimento daqueles cristãos, com a obrigação de carregar as embarcações em terreno tão inóspito, de vegetação úmida e em áreas cujo piso é tão irregular, que é difícil caminhar com as mãos livres”.
“A tarefa de transpor uma tropa carregada de mantimentos, animais e artefatos de primeira necessidade sobre aqueles precipícios escorregadios deve ter causado ódio, de modo a não restar suspiros de contemplação. Diante desta razão, é possível que o escriba Pero Hernández tenha tratado tão friamente aquilo que hoje veneramos como um dos monumentos naturais mais formosos”.
E adverte que, em nenhum lugar se registrou que o conquistador tenha se encantado com as quedas, a ponto de batizá-las como Cachoeiras de Santa Maria. Ou comentado que eram “divinamente infernal; um privilégio vê-las, uma temeridade enfrentá-las”.
Montezuma Cruz é jornalista em Brasília e trabalhou em Foz do Iguaçu entre 1991 e 1996.