Dizem que os grandes clássicos nasceram no inverno. Dickens, por exemplo, embrulhado em xales e debaixo de uma neblina londrina tão densa que parecia ter sido escrita à mão, produziu capítulos inteiros entre um chá quente e um ataque de tosse. Tolstói? Escreveu Guerra e Paz enquanto a neve russa caía, silenciosa, como um editor rigoroso cobrando prazos. Mary Shelley? Uma tempestade gótica nas montanhas suíças, e Frankenstein ganhou vida — ou melhor, eletricidade — no meio de raios e trovões.
O frio, ao que parece, é o verdadeiro motor da literatura mundial.
Agora, imagine essas mesmas obras se tivessem sido escritas em um verão brasileiro de 40 graus, com um ventilador que só empurra o calor de um lado para o outro como um juiz de ringue sem noção. Dickens talvez tivesse mandado Oliver Twist direto pro churrasco. Tolstói? Esquece os épicos, no máximo um Guerra e Sorvete para lidar com o derretimento das ideias. E Shelley? Frankenstein teria virado um smoothie de abacaxi — refrescante, porém sem drama.
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Mas eis que chega a China com sua inovação revolucionária — um ar-condicionado que não só resfria, mas praticamente lê a sua alma suada e diz: “Relaxa, eu cuido do calor”. São aparelhos inteligentes, conectados, que distribuem o ar como se fossem poetas modernos, criando uma brisa gentil digna de um haicai.
E o que dizer da tecnologia de resfriamento elastocalórico de Hong Kong? Não tem mais aquele barulho que parece um Boeing decolando na sua sala. É silencioso como um monge zen, eficiente como um roteiro de Tarantino: direto ao ponto, sem enrolação.
Agora, vamos ao verdadeiro drama literário: e se Shakespeare tivesse um Xiaomi com 1.908 microfuros soprando ventos suaves? O dilema de “Ser ou não ser” perderia força para um mais realista “Ligar ou não ligar o modo turbo?”. Hamlet jamais teria suado a testa de angústia. E se Kafka tivesse uma Gree Electric de última geração, talvez a sua metamorfose fosse mais simples: de larva suada a ser humano confortável.
E pensar que, no Brasil, enquanto a elite literária mundial gelava as ideias no frio, nossos escritores suavam em bicas. Jorge Amado, coitado, escreveu Gabriela, Cravo e Canela provavelmente com o ventilador de teto balançando de um jeito que parecia ter vida própria — uma verdadeira criatura de Shelley tropical.
Mas, ironicamente, talvez o calor seja o verdadeiro motor da criatividade brasileira. Enquanto os europeus congelavam para escrever seus épicos, nós derretemos histórias cheias de calor humano — e, claro, um pouco de drama suado.
Agora, com essas novas tecnologias de refrigeração, quem sabe o próximo grande clássico da literatura mundial venha de um brasileiro relaxado, deitado no sofá, com um ar-condicionado futurista sussurrando uma brisa inspiradora? Uma Macondo que não ferve no verão, um Sertão que não seca a inspiração.
A pergunta que fica é: será que, sem o calor, a gente ainda vai escrever com a mesma paixão? Ou vamos virar todos Shakespeare no modo “paz e amor”, tomando água de coco, enquanto o elastocalórico de Hong Kong faz poesia silenciosa no fundo?
Ah, os dilemas da modernidade.
Mas, sinceramente? Melhor escrever resfriado do que derretendo — até porque, ninguém merece um bloqueio criativo causado por suor.