Política e sociedade

O Brasil que Cuida!

O Brasil que cuida (sem que ninguém cuide dele)
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Foto: Meta AI

Há um Brasil que não sai nas capas, mas que vive entre lençóis trocados às pressas, copos d’água esquecidos na beira da cama e o som intermitente de alguém chamando por um nome que não sabe mais dizer. É o Brasil que cuida.

Essa semana, ele apareceu nas cartas de leitores, na última página da Folha, aquele espaço onde o país ainda fala como gente e não como manchete. Uma leitora de Brasília descreveu o assassinato de mulheres como uma “chacina silenciosa”, outra de São Paulo contou que precisou internar o marido com Alzheimer precoce, depois de anos tentando segurá-lo pela mão enquanto o mundo caía — ele para dentro, ela para fora.

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Teve também a Raquel, de Atibaia, que levou a mãe para cimentar o fêmur. A mãe não dobra mais a perna. Nem a filha. O tempo ali se ajoelhou de um jeito torto.

Essas histórias não têm heróis nem vilões. Só gente cansada, com olheiras profundas e sorrisos curtos. Gente que ainda se dá ao luxo de amar quem já esqueceu até como se engole.

Cuidar, no Brasil, virou um verbo conjugado no singular. “Eu cuido”. O Estado, por exemplo, não cuida. O plano de saúde, muito menos. Os vizinhos? Estão ocupados demais caindo nos reels de “liberdade” ou nas lives de coaching sobre como se amar mais e cuidar menos dos outros.

Um dos relatos mais doces — e por isso mais tristes — dizia: “Cuidar é uma experiência grandiosa na qual cabem luz e sombra”. Não sei se era uma cuidadora ou um monge tibetano.

Talvez cuidar seja isso mesmo: uma forma secreta de religião, onde não há hóstia, só sopa morna. Não há cântico, só o sussurro: “Tá tudo bem, tô aqui”.

O que me espanta é que esse Brasil que cuida não pede nada. Nem manchete, nem medalha, nem um 14º salário por tempo de banho. Eles só querem que a maçaneta do banheiro seja mais baixa, que a fila do INSS ande, que o médico escute. E, quem sabe, uma cadeira confortável para quando a coluna ameaçar se aposentar antes deles.

Quando a gente vê o noticiário dizendo que o Congresso quer anistiar golpista, que o ministro quer zerar a conta de luz sem combinar com a matemática, que a verba das emendas tá pagando psicólogo em Miami, dá vontade de gritar: “Ei! Tem gente aqui!”

Mas ninguém ouve. Porque o Brasil que cuida, cuida em silêncio.

E como disse uma leitora de Valinhos: “Precisa pensar a vida de alguém no nível mais básico de sua existência”.

Sim, minha senhora. E talvez pensar também no nível mais básico da nossa decência.

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