Parque das Aves de Foz do Iguaçu realiza cirurgia delicada e salva a vida de ave resgatada

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Mathias Dislich e Ligia Oliva durante a cirurgia

Em cirurgia que levou quase duas horas, a veterinária Ligia Oliva e outros técnicos removeram um projétil de chumbinho que estava alojado próximo ao coração da ave

Uma equipe de técnicos do Parque das Aves, em Foz do Iguaçu, no Paraná, removeu um projétil de chumbinho alojado no corpo de um cabeça-seca (Mycteria americana), ave da família dos tuiuiús. A ave foi resgatada em 15 de julho e a cirurgia aconteceu no dia 4 de agosto e levou quase duas horas.

“O chumbo é um metal altamente letal, e a ave iria vir a óbito caso continuasse com o projétil em seu organismo. O procedimento foi muito delicado e arriscado, mas era a única chance de sobrevivência que ela tinha”, comenta Ligia.

Segundo o morador que encontrou a ave, ela parecia ter tomado tiros. A equipe do Projeto de Monitoramento de Atropelamento de Fauna do Parque Nacional do Iguaçu entrou em contato com o Parque das Aves informando que um munícipe havia acolhido o animal enfermo em sua casa e a Força Verde fez o resgate.

O procedimento envolveu basicamente todo o corpo técnico do Parque das Aves. Liderados pela diretora técnica, a veterinária Paloma Bosso, cada um dos envolvidos contribuiu dentro de sua área de expertise. Os responsáveis diretos pela remoção do projétil do corpo da ave foram a veterinária Ligia Oliva, chefe da Divisão de Veterinária do Parque, e Mathias Dislich, chefe da Divisão de Pesquisa. Além desses profissionais, auxiliaram na cirurgia a veterinária Roberta Manacero, chefe da Divisão de Bem-estar Animal, e o biólogo Ben Phalan, chefe do Núcleo de Conservação.

A delicada cirurgia

Depois de realizar exames de sangue do tipo hemograma e bioquímica sérica, que indicaram uma infecção ou processo inflamatório. O animal começou então a receber medicação, do tipo antibiótico, por sete dias, e nesse período ganhou quase 200 gramas de peso.

Projétil removido da ave

Como a equipe suspeitava, o processo inflamatório não foi resolvido por completo somente com o uso do medicamento. Mas o animal já estava estável e, portanto, apto a passar por uma cirurgia que traria uma melhora definitiva a sua saúde. Assim, a ave de quase 1 metro de altura passou por diferentes procedimentos pré-cirúrgicos no intuito de garantir o maior sucesso possível na retirada do projétil.

Além da anestesia inalatória, a equipe utilizou também um medicamento pré-anestésico injetável, para aumentar a segurança do procedimento e promover ao animal o maior conforto possível durante toda a cirurgia. Como em todas as cirurgias, um membro da equipe permaneceu o tempo todo observando os sinais vitais da ave, especialmente as frequências cardíaca e respiratória, para realizar os eventuais ajustes necessários a fim de promover a maior analgesia possível ao animal.

“Um procedimento longo, e com a delicadeza necessária como esse, requer ainda mais cuidado e dedicação de nossa equipe, mas a satisfação de poder proporcionar uma melhora na qualidade de vida a um animal nos motiva tanto que nem vemos o tempo passar. Comemoramos muito o fato da Ligia e do Mathias terem acessado e retirado o projétil com a precisão necessária”, comenta Paloma.

A cirurgia foi realizada com o auxílio de um endoscópio e uma pinça acoplada a ela, da mesma maneira como esses procedimentos são hoje realizados em humanos. A expectativa era de que a cirurgia fosse um pouco menos longa, apesar de delicada, pois as primeiras radiografias apontaram que o objeto estava muito próximo ao coração. Mas quando Ligia iniciou a vistoria com o endoscópio no local estimado, foi difícil localizar o projétil em meio aos órgãos internos do animal, considerando ainda a manutenção da distância segura necessária para a intervenção.

“Ficamos quase uma hora tentando encontrar o projétil, até que decidimos que precisávamos de uma nova estratégia. Foi aí que optamos por radiografar a ave na presença do endoscópio, para que isso nos precisasse melhor a localização do corpo estranho em relação ao equipamento”, comenta Ligia.

Como a localização próxima ao coração requer um cuidado único e como o organismo do animal reage à presença do projétil recobrindo-o com membranas, a equipe precisou de outras tentativas até localizá-lo e removê-lo de fato. A primeira radiografia mostrou que ele estava a 2,6 centímetros do endoscópio, e a segunda e terceira identificaram uma aproximação de menos de 1 centímetro.

Mathias, Ligia e Paloma Bosso

“Logo percebemos que o projétil estava camuflado nos tecidos próximos ao coração, e procuramos com mais afinco nas cavidades. Foi quando decidimos investigar atrás de uma membrana e lá estava ele. Enquanto eu segurava o endoscópio, o Mathias pinçou o objeto e removeu ele do corpo da ave”, comemora Ligia.

Agora o cabeça-seca segue em seu recinto de recuperação e recebendo todos os cuidados necessários.

A caça e os riscos para a fauna

Mathias Dislich e Ligia Oliva durante a cirurgia

O artigo 29, da Lei Federal 9.605/98, de 12 de fevereiro de 1998, estabelece detenção de seis meses a um ano, além de multa, para quem matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização.

“Tiros de armas de pressão, conhecidas como armas de chumbinho, são responsáveis por uma grande parcela de animais que chegam aos centros de triagem/reabilitação e aos zoológicos precisando de cuidados veterinários. Em muitos casos, infelizmente, os danos causados pelo tiro impossibilitam o retorno desses animais ao seu habitat natural, pois causam lesões irreversíveis”, comenta Roberta Manacero, chefe da Divisão de Bem-estar Animal do Parque, que monitorou o animal durante a cirurgia.

Armas de pressão, utilizadas para disparar projéteis como o encontrado no corpo do cabeça-seca, podem ser facilmente compradas em lojas especializadas ou até mesmo na internet. E essa facilidade, aliada à impunidade, acaba incentivando uma cultura que estimula a caça muitas vezes até nas crianças, pois as armas muitas vezes parecem menos perigosas, mas podem trazer consequências graves, muitas vezes letais, em animais e até mesmo pessoas.

“É muito triste saber das consequências ruins na vida desta espécie de ave, que tem nossa região em sua rota de migração. Imaginar que este indivíduo provavelmente migrou com seu bando para cá na primavera do ano passado e que não conseguiu seguir o caminho com eles, entre os meses de fevereiro a maio, quando há relatos de deslocamento das aves na região do Rio Iguaçu, nos entristece” diz Ben, chefe do Núcleo de Conservação, que também esteve auxiliando no procedimento cirúrgico.

O cabeça-seca

A enorme ave que ganhou uma nova chance de viver é parente próxima dos tuiuiús e das cegonhas. Vive em grupos em regiões de manguezais ou alagadas próximas a florestas, explorando o chão e o topo das árvores.

“O cabeça-seca não é um habitante em tempo integral aqui da nossa região, mas há relatos, em determinadas épocas do ano, da passagem deles pela região do alto e médio Iguaçu, inclusive há um registro ornitológico fotográfico de um bando em Foz do Iguaçu em abril deste ano. Assim, caso gradativamente a ave apresente condições de voltar ao seu ambiente natural, especialmente mostrando-se apta ao voo – algo que até o presente momento não foi observado –, e conseguindo se alimentar sozinha e naturalmente se defender de predadores, encaminharemos o animal para que a Força Verde. Eles poderão levá-lo, dentro do período de migração, ao mesmo local onde foi originalmente encontrado, dando a oportunidade de a ave encontrar um bando da sua espécie e ser aceita por ele”, finaliza Paloma.

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