Dizem que o inferno são os outros. Mas às vezes o inferno é só um vizinho mesmo. Em Foz do Iguaçu, na terra das Cataratas, das Itaipus e das ilusões do turismo, Giovana comprou um pedaço de sossego. Comprou no boleto, com juros de esperança, entrada de fé e parcela fixa de “agora vai”.
Veterinária, mulher de bicho, de alma mansa, queria só plantar uma horta, ouvir os passarinhos e viver como mandava o Pinterest. Mas o que ela ganhou foi um vizinho. Não um vizinho qualquer – um profeta da desgraça, um idoso de 75 anos com tempo livre e vocação para antagonista de série ruim.
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Cinco anos. Cinco. Um mandato inteiro de ofensas, cercas cortadas, bilhetes ameaçadores e, claro, a cereja de merda no bolo: o assassinato de um cachorro. Envenenado e estrangulado. Parece cena de filme do Lars von Trier, mas é só o Brasil mesmo.
Giovana denunciou. Reuniu provas, fotos, laudos, audiências. Foi ao Fórum. Chorou. Implorou. Levou um pen drive, levou a alma. Mas do outro lado da balança, o homem tinha um escudo sagrado: o Estatuto do Idoso – que aparentemente transforma qualquer cidadão com 75 anos em uma mistura de Gandhi com Dom Pedro II, isento de culpa, imune a boletim de ocorrência e blindado contra o bom senso.
As autoridades disseram: “não podemos fazer nada”. Porque no Brasil, quando alguém comete um crime com uma bengala na mão, o sistema abaixa os olhos e diz amém.
E aí a pergunta ecoa: quantos Giovana precisa o país? Quantos latidos envenenados? Quantas árvores cortadas? Quantos muros derrubados para que o Brasil, essa pátria de muros e grades, finalmente entenda que idade não é atestado de santidade?
Enquanto isso, o vizinho segue livre, firme, com seu olhar de quem comeu o Código Penal no café da manhã e arrota Habeas Corpus no quintal.
Giovana não quer vingança. Não quer justiça com as próprias mãos. Quer só o básico: paz. O direito constitucional de varrer a calçada sem ouvir ameaças. O luxo de sair de casa sem pensar em advogado.
Mas talvez isso seja pedir demais num país onde o direito à paz é um artigo decorativo da Constituição – logo abaixo do direito de ser ignorado pelas autoridades quando o seu agressor tem cabelo branco e cara de bonzinho.
No Brasil, Giovana é a regra. O vizinho é o retrato. E o silêncio das instituições é o fundo da moldura.